Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2021

Athenæum

 uma vez apresentei-me como acedioso, não por naturalidade, queriam eles, mas por dissidência. dissidência: até de uma apreciação étnica por expressões como "tem razão" ou "é verdade". não tenho razão, nem pretendo dizer verdades, sou preguiçoso. e acho que o fulcrum é mesmo esse: o preferir não fazer ou não dar seguimento à expectativa. naqueles tempos, decidi-me a trocar as voltas a um gestor de grandes projectos e fiz o que disse: apresentei-me como acedioso, pedindo logo perdão. nas seguintes sessões à sua presença, fui tirando um e outro pecados teológicos, quais coelhos, da cartola da conversa, gerando um padrão. os presentes poderiam dizer: faltam dois. eu questiono se entretanto me terão perdoado a acedia. que raio poderia eu fazer com sete pecados, se isso só atestava a estruturação de que me pretendo descentrar. querer ser distinto por volição pode parecer um ímpeto bárbaro, mas: e os primeiros dissidentes? os que inventaram deus? o que é que fizeram, para
eu só queria um pouco de luz. algo para distinguir o que vai no meio da bruma. e a tua mão dada à minha era a lavra das constelações, a mão que molda o barro da abismal planície azul, o esvaziar de todos os infortúnios palpáveis destes dias. o triunfo do meu ódio a Mercúrio. e então decidi falar. e não deixei ninguém falar, no entanto... porque é que me dispo tão depressa? porque é que a braguilha já vai sempre aberta às situações? não há filtro que dissipe a densidade das intenções. e em cada flor que se toca, uma bola de demolição. tudo projectado: Hollywood a infectar os cérebros, eu queria beijinhos à chuva, viver uma cena de cinema, vomitar sangue, entranhas e os nervos dos anjos... e dormir feliz ao fim da noite, como se o tumulto pudesse ter uma rolha.