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 eu sei que quando me sentir o camelo, não passarei de criança. e quando me fizer passar por leão, não deixarei de ser o camelo. mas acima tudo tenho a certeza, que não é por me sentir criança, que alguma vez fui leão.

Hino Nacional

sorrio de lágrimas postas em mais uma derrota.  à sombra de outra árvore velha por terra inóspita, o casco apodrecido, jurei abundância e gentileza a quem passa para lhes cumprir a podridão num escarlate nunca antes visto. ficassem virtuais e platónicas as cores horrorizadas de se exumar a pura da abundância teórica, tropicais, etéreas, paradisíacas, antes a apodrecerem e atraírem moscas. diz que o encargo não é o presente, é mundo. e a sua proposta decadente. ver no caos uma escada. rebolar na lama encarnada.  abundar na podridão.
 Diz-me quantos fomos, Os que mal amámos, Os que por erro quiseram, Os que se humilharam? Diz-me a razão para amar A ideia que deixei flutuar, A limitação do seu soar Mal transcrita pelo sonar? A minha pessoa só queria A segunda seduzia A terceira mal sabia Quatro escadas para derrapar Cinco dias, sem dormir, Pela sexta vez que me matar.

O prosaico na campa de Paganini

Na campa de Paganini Vi duas estátuas conversar Disso tenho a certeza!  Estavam à vista e não nas visões, Eram de mármore e não de gelo, Acenavam, apontam e confirmam O lugar de quem Por pactos Electrificou os violinos Com o sombrio. Falaram dos jardins por onde se param Leões — e dos quantos que sujaram De sangue a via de lírios, com dentes Cuspidos — fragmentos ao acaso E em cada um, os restos das pessoas, Os restos das caras gastas, De quem sabia em que sítio fica o quê. Sugeriram a palavra “Anestesia!” Antes que a verrina soasse Vinda numa arcada do sepulcro. Tirem-me as dróseras e os ramos de rosas, daqui. Recordam o sol do meio-dia Na cemitéria, em que tu esqueces Com o GPS, o tabaco e o tablet A vaga fútil de calor e desejo, Ai sentida onda da aurora tenra... E eu contei-lhes o quanto ansiei Pela grandeza de ver o mapa e ler o céu, Para fugir na crista que não se quebra Do nosso país, que nunca existiu.

Atreve-te // Andréas-Salomé

 Atreve-te, atreve-te, atreve-te a tudo! Não precisas de mais nada! Não tens de te ajustar ao padrão, Nem desejar ser tu mesmo um padrão. Acredita que a vida te vai dar alguns dons. Se queres uma vida, aprende... a roubá-la! Atreve-te, atreve-te a tudo! Seja na vida, No que és, e no que quer que aconteça. Não defendas um único princípio, Mas algo muito mais maravilhoso: Algo que está dentro de cada um E que arde como o fogo da vida!

O Todo

Foi só preciso ouvir o cartomante, Para assinares o pacto inadvertido: Deste ouvidos por um lavagante, E o Ideal da Beleza foi corrompido. Entra a carta do Diabo pela janela, Numa noite, a meio da vigília, Ondulando sobre a secretária, E abre a boca para dizer "Vou-te contar, vais ficar a saber: Como é que, entre tudo o que é Belo, Podes adivinhar o dom do seu encanto. Como é que entre o carnal e o divinal Se formula a magia do prazer. Queres saber qual é a obra mais doce?" E agora podes responder, aborrecido: "Se na Natureza tudo é rígido, Nada existe com menos densidade. Se na Natureza tudo desabrocha E consola com o abraço da Noite; Se na Natureza a harmonia é lei Que preside à Beleza do conjunto, Haveria alguma impotente análise Para detectar os intrépidos acórdãos? Se na Natureza tudo me rapta, Metamorfose mística dos sentidos n'Um, Então ignoro a partícula que me seduz. Ela expira música. Ela canta perfumes!"

A Parte

Quanto tempo falta? Para que a peça de gramática Configure um jardim de granito, frígida arte? Para desabrochar no alvo, da derradeira aurática, Quanto falta, cadáver, para encontrar aquela parte? De um puzzle subtil, para fazer da alma o Atlas E demolir as peças de armaduras de papel,  Afim de contemplar rio, ao espelho, montanhas altas A gelar na ideologia infernal que soluça fel? Nunca me coube o papel de conhecer os teus Ídolos, As badaladas das beladonas, prismas, estátuas de lodo, De peitos martelados e frontes derretidas — Amor, O Teu — não mais que penumbra perversa, sombra Do ceifar da própria Morte, a rodopiar como um morcego, Faz brotar em espirais espinhos nas roseiras do cérebro!