Le Temps


Que mais senão uma mosca pousada num relógio bordado a ouro? Um relógio gelatinoso que escorre mesa abaixo. Um relógio que, na sua massificada banalidade tem uma mosca em si pousada: reza nojo e pó. Numa iconofília irremediável, numa "civilização da imagem", o ícone é batido e desbatido de significado: repetir inúmeras vezes que são cinco para as sete deixa de ter significado para ser só som, e o só-som é poluição. Diria que hoje não é o relógio que tem a mosca, mas que foi a mosca que pousou na imagem, no nosso pedaço de papel, no quadro, na coisa que for que detém o relógio desfigurado. 

O significado mudou: o seu mostrar-as-horas ou o seu estar-derretido é o nada no plano do papel ou do 2D, intocável na tangibilidade do ecrã ou do quadro, o relógio é nada. É nada composto de tudo, de cada traço do pincel, de cada pixel reunido, cada bit informativo ou cada rabisco do lápis que o redesenhou ao lado, tudo isso para representar uma das ilimitações da representação: o tempo no estático: mas não existe relógio. As eternas cinco para as sete, tão eternas quanto cansativas, tão insignificantes na sua vulgaridade que arranjaram a companhia de uma mosca: para a sua eternidade.

O tempo é perder tempo em não perder. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Furacão de Esmeraldas

Primavera

David e (en)Golias.