Via de lírios
Interlúdio
Quando a cortina reabre, o chão está coberto de pétalas de lírios roxos, com um caminho aberto a meio, de um lado ao outro do palco, o fundo é escuridão. O público pouco dista do palco. A atmosfera é a da calma depois da tempestade, das decisões tomadas pelos dados lançados. Cada peça está onde ficou, cada estilhaço por debaixo de lírios. O estranho caso deste episódio são as flutuações das conversas: cada fala é uma frase que ficou por dizer ao espelho. A maldição, a incapacidade de se olhar ao espelho inverteu-se: o Caos não tem sequer um espelho para que olhar.
Estás a apressar demasiado o processo.
Eu estava exactamente onde queria estar.
Tu tentaste destruir o Caos porque não suportas olhar para a escuridão?
Porque não suportas aguentar os teus erros?
Pois eu também não suporto o teu tão conceituado sucesso.
Não tens de elogiar. Não tens de te preocupar por muito tempo.
Acreditas ser melhor que o Caos?
Acreditas ser mais forte do que o Caos?
Acreditas mesmo que podes preencher o vazio do reflexo com amor?
E amizade?
E esperança?!
Assume-o: o Caos é o que tens dentro de ti!
O Caos é tudo o que resta.
Diante do campo de lírios, o Caos reage a uma sensibilidade múltipla, que extrapola o campo daquilo que ele dantes reflectia: os sentidos que surgiam ao espelho. O Caos lida agora com reflexos quebrados que o afogam para além do que conhecia. A reacção do Caos à sorte, ao espontâneo, ao que a encenação diante do espelho não permite, é uma experiência de diluição. Acaba-se sem nada quando se quer ter tudo.
Ao menos Eu não tinha qualquer tipo de padrões ou expectativas e não deixava a torrente levar-me.
Não há alternativa, há que guardar o coração numa caixa para evitar esta sensação.
É a primeira vez que a maldição parece suplantar a sensação.
Ó, querido Caos, tu foste as maldições lançadas a cada sensação.
Não é menos que natural que não saibas o que fazer.
O Caos olha de relance para debaixo de um lírio e vê um olho verde reflectido de volta.
Ainda estamos para descobrir quem é que está na caixa de quem.
A partir daqui... é sempre a descer.
Pode aprender-se disto?
Não.
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