Elevação
— seguido de uma parte de "Élévation" de Charles Baudelaire
uns avançam, outros atrasam,
a prisão a um corpo ou a um passado,
tudo isso que me dá asco,
mas de que não me posso livrar
a não ser por solidão.
erros, deslizes, tolices,
camisas que usei na primeira comunhão,
todos despidos.
e com a roupa o dissipar da névoa
das águas do duche.
é o gelo nos veios,
sim—todo um veio de lírios,
a contaminar quanto toca.
o louvor pela frieza.
o douto pelo prostituído.
tu não distingues os fios
dos discursões que te assolam
e eu não posso ventilar mais
do que já fiz, nu.
eu matei uma mosca ao remate do poema,
esmaguei a canção obsidiante num repente.
oxalá pudesse aguardar, mas o que quero
é o ápice dos momentos,
o epítome da broa,
o zénite dos sentimentos,
a mais elevada das elevações.
para lá do vasto sofrimento e do tédio
que pesam nas nossas vidas e obscurecem a visão,
feliz é quem pode voar por campos,
luminosos e serenos, com vigorosas asas
aquele cujos pensamentos, como cotovias,
podem levantar voo em direcção ao céu da manhã
—que paira sobre a vida e compreende facilmente
a linguagem das flores e das coisas silentes!
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