Escuro do Sol

Caiu do sol um anjo a arder. magoado, transtornado - os seus berros de inconsciência repercutiam nas paredes, regressavam e revoltavam. A família observava, estupefactos com o seu igual em chamas. Tanto futuro possível para a pureza do fogo. O ardor caiu no esquecimento, o anjo abriu as asas, "pai, onde é que está a minha pistola? dizem que a guerra começou!" Os escritos prescritos eram a sua sabedoria, ensinado nas artes da dúvida - essa tendência que de humana tinham os anjos. "Diz-me, diz-me onde está? deixa-me ir sozinho, deixa-me ir sozinho, não preciso de ninguém, não preciso de ninguém".

Os novatos aprendem a ler, assim são mandados - ao menos algo do que é nosso nos seja explícito, mas mesmo assim não aproveitou, continuou a olhar para o sol para sentir a mesma cegueira da dúvida e aceitá-la: não se pode olhar para o que não se vê. Era a filosofia da sabedoria dos mais reflectidos aos mais loucos, pensava eu. Sempre que as portas se fechavam neste circo, o mistério ficava lá fechado e não era questionável, não há tempo para o libertino. Lutava do lado dos piratas contra os ninjas para, na sua atitude bélica ver dissolvido o desejo de ver para além do sol.

Os seus heróis eram ficções, como todos - mas estes mais profundos, porque sim, porque tinham do ser. Ídolos indiscretos de nome sem significado atrelado. Até ao dia em que viu descer do sol uns quantos abutres que a mandato devoraram réstias de amor à sua frente, as lágrimas esfriaram os olhos quentes e viu os abutres desaparecer com a mariposa de um casulo carcomido pela ideia, e assim tudo foi enterrado. E ele nunca os quis voltar a ver. E eu nunca os quis voltar a ver.

Se não fosse a água ainda me acreditava messias, foi isso que me ensinaram, a abrir os braços e ter mundo a olhar para mim para - no momento derradeiro - isso não me servir de nada. Não posso salvar nada. Ninguém pode. Os que vieram já se esqueceram. Entreguei-me ao desconhecimento como quem dá pérolas a porcos bíblicos. "Fui forçado a contar as horas assim que as duas torres caíram para a ficção, aquelas providências divinas deixam os deuses na guerra e ninguém conta os pontos. A ignorância ainda é adorada."

Levei uma dentada de realidade e deixei os venenos entrar. Quero ver toda a pureza corrupta, quero ver a pobreza ser a cegueira de não querer ver, a riqueza ser saber encontrar uma luz que não cegue e nos acorde. E assim deixei o mar levar-me contra-maré.


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