O Ano da Morte do Caos.


Tinhas o meu coração nas mãos... a maior parte dele.

Esta é a minha história... tudo começou quando vi um último estilhaço da tua projecção etérea e terrestre virar-me as costas e olhar-me de frente. Ria-se como se de um demónio se tratasse, o escárnio da minha existência, de tão intolerável, fez ver-me a um passo do precipício. Por favor, lê o meu testemunho, de traição, mentira e necrofilia; de quando as alianças foram forjadas nas lágrimas do nojo e a minha imagem ficou para sempre um espelho quebrado, quando o feio registo espectral viu o seu reflexo em mim. Para mim a amizade passou a ser como uma pá, podia construir castelos na areia... ou enterrar corpos vivos - nostalgias que eu ambicionava não ter.

Sete anéis para sete reinos - o meu testamento. Xerazade, uma loba de capuz vermelho denunciou uma ilusão nocturna a uma das sete majestades do meu coração. Uma em mil e uma noites - o deserto gelava o corpo do viajante, da mente suavam as lágrimas - Xariar era agora desiludido por uma bola de cristal feita de um papel que não existia; entregava a minha aliança a uma existência de que nem ele tinha a certeza. A minha memória trancou-se, criou um forte prevenido de qualquer emoção. Quando um dia vi o primeiro raiar da aurora encandear a reflexão das minhas lágrimas, abri os olhos ao mundo e à vida - quem eu fora... era agora uma poça de lama vertida no chão do Outono, pisada por pés sujos, envenenada das tóxinas do pântano em que só existia - sem significado. Mas os meus medos e mentiras eram simples e vagos como o mundo me fazia sentir.

O ambiente onírico de um pedaço de terra molhada não é um paraíso inteligível, porém não me bastava ter o físico de um pedaço de chão, também as pessoas que mais amava me espezinhavam uma a uma, como crianças que brincavam num dia de chuva, faziam a saudação nazi e marchavam, bota por bota, em cima de mim. O sonho da lama caiu, os horrores e as maravilhas tornaram-se em si mesmos. Tantas vezes fiz parte de petições ao meu esquartejamento. Mas encontrei a saída do labirinto - a sombra, no lado vermelho do meu coração. Iniciei um jogo de culpas e a culpa foi só minha - quem enganou e iludiu fui sempre eu. Vomitei treze vezes o nojo que de mim tinha.

Outra mulher, esta, vestida de roxo e adornos de ouro revelou-se na minha vida dando-me a beber do cálice das imundícies da sua prostituição e ainda jurou vingança ao coração do iludido Xariar - organizou-se com os súbditos daquele que dissuadi de odiar. Embriaguei-me com a Santa Prostituta, do sangue dos Santos e dos Mártires da mentira embutida em Xariar - assim me sacou as informações que quis, Imperatriz Meretriz, " o seu número é treze, é isso que deves cravar no sepulcro que não vais forjar." Ainda ébrio, a cruz que carregava às costas do meu calvário era fazê-lo viver sem sofrer... já me bastava a sua dissimulação de vida. A arte e o aperfeiçoamento contínuo foram os únicos corta-matos para poder voltar a acordar de uma incoerência que durava há muito.

Pecados alheios, as minhas costas romperam facadas apontadas ao teu peito, de que o teu coração - céptico pela visão - nunca se deu conta. À luz da redenção, eu, depois de afirmar ter ultrapassado o purgatório, era a pessoa mais enojada de existir. As tuas provas eram mentiras cuspidas no espelho no qual eu não me reflectia. Enterrei o meu reino, aquele em que nunca reinei - onde a tua indústria foi mais natural que o onirismo em que menti. Vivi a fantasia da fuga como um vagabundo na grande cidade da realidade - tranquei-me em mim mesmo. Dei a mim mesmo as boas vindas à selva.

Sonho de noites de Verão. Se há alguém a agradecer é a ti pela humanidade e iluminação, por teres agido segundo a condição. A infância acabou quando escalei a dramática cortina que me separava de ti e com ela caí do meu lado. Apercebi-me que a confiança é como um cadáver, uma vez enterrada já só se recupera quando não está morta. Dormi com fantasmas e apercebi-me dos meus medos. A nossa cristalização de realidade, a distância psicológica entre duas mesas era a envergadura do Universo de braços estendidos.

Saudoso impasse de uma poça espezinhada, a nostalgia torna-se arte em bolhas de sabão e diamantes azuis-turquesa. Vai chegar o dia em que a poça de lama se vai tornar num arco-íris. Vivemos num mundo de sombras e injecções de mentiras que nos permitem respirar. Como é que cá chegámos? São códigos por desvendar, aqueles que não sou capaz de encontrar. Como é que cá cheguei? Um viajante preso a um mapa que não queria ser lido.

Erros sem admissão. Absorção da mentira. Amor e Arte.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Furacão de Esmeraldas

Auto-Cronografia Pseudo-Empírica

Primavera