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A mostrar mensagens de fevereiro, 2015

e(c)lipse

as cores trocam-se enquanto não olhamos. cada piscar de olhos é um baralhar de cartas que se propõe à confusão. nós mantemos os códigos, diálogos e estereótipos semiótico-simbólicos das coisas, mas elas dão esse salto mortal-pirueta-encarpado pelo simples motivo de nos enlouquecer e causar discórdia. mantém-se uma só: a transparência das poças do chão e das bolhas de sabão, das pingas no ar e do próprio ar a rodear. reflexo ou aparência vazia, promete um outro algo para além de si. se não é cor, o que é? se um nome for cor, que falta de condignidade é ter uma linguagem? institui-se o intermédio da cor que é o não-ser, que é o estar para lá a mais do estar lá que a preside. essa transparência preenche-se da promessa da outra cor e essa outra cor, traidora, violadora de princípios lógicos, salta de ramo em ramo e engana pássaros. olho para ali e na distância há aquilo, no meio nada, mas há aquilo ali. todas as promessas são embustes, fastídios propositados por uma cósmica que ultrapassa

Icarus

não rasgues o céu, podes magoá-lo e ele só reflecte emoções onde injectas acepções. não rasgues o céu, há um zénite qualquer em que distingues a ficção da luz. não rasgues o céu, que te exuma, que te consuma, como fogo de artifício. não voes demasiado alto, as tuas asas podem derreter, és demasiado para ser verdade.

paráfrase coração elástico

quem lhe dera ter no corpo um coração elástico foi tortura esticá-lo sem que se esticasse desenterra castelo de cristal, não o queiras enterrar dar vida por jaula, não nascer para se deitar meandros do veneno da escrita, cemitérios por assassinar flores em campos de guerra, inexistem onde nada sobrou luz do luar, natureza morta na areia. sol da terra, brilha diamante sobre o mar. nada é perfeito, nunca se vai realizar. olha os soldados, olha as algemas. que fique claro, não vou fechar os olhos. e eu quero, eu quero tanto a minha vida.

mosaicos de Borges

Deus está à espreita nos intervalos. Per speculum in aenigmate , diz S. Paulo, vemos todas as coisas ao contrário, então nós estamos no céu e Deus sofre na terra. o terror do Inferno é a sua irrealidade; todas as criaturas, incluindo o Diabo, regressarão a Deus. a democracia é o desespero de não achar heróis que nos dirijam. ninguém se apaga no nirvana porque a extinção de inúmeros seres no nirvana é como a desaparição de uma fantasmagoria que um bruxo numa encruzilhada cria por artes mágicas, e noutro lugar está escrito que tudo é mera vacuidade, mero nome, e até o livro que o declara e o homem que o lê. eu não fui essas pessoas; isso, quando muito, foi o disfarce que vesti e que deitei fora. o planeta foi criado há poucos minutos, e povoado de uma humanidade que «recorda» um passado ilusório. quem me ouvir assegurar que este gato que está ali a brincar é o mesmo que brincava e fazia travessuras nesse lugar há trezentos anos pensará de mim o que quiser, mas a loucura ma

longa vida a um vilão

viciado que nem o ralo por onde escorremos viciosos, o jogo dos vícios serve tanto e serve-me de tão pouco. apontam por mim, enquanto me deixo reinar, manter uma coroa por tão só ignorar. era suposto teres voltado quando eu te chamei. sabes bem quem eu sou, era suposto voltar tudo ao normal. quero o meu poder e o meu castelo de volta. o que é que tu queres ouvir? que tinhas razão e que nunca me vão amar? tão triste quanto verdade. vingança. perseguem a cultura mas são cegos às vanguardas. uma fala de lado nos meandros do miasma, outra fala alto conforme proporções corpóreas e aqueloutro por trás, só lhe aquece a retaguarda. caríssimos, o rei morreu. longa vida a um vilão.