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A mostrar mensagens de abril, 2013

Le Temps

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Que mais senão uma mosca pousada num relógio bordado a ouro? Um relógio gelatinoso que escorre mesa abaixo. Um relógio que, na sua massificada banalidade tem uma mosca em si pousada: reza nojo e pó. Numa iconofília irremediável, numa "civilização da imagem", o ícone é batido e desbatido de significado: repetir inúmeras vezes que são cinco para as sete deixa de ter significado para ser só som, e o só-som é poluição. Diria que hoje não é o relógio que tem a mosca, mas que foi a mosca que pousou na imagem, no nosso pedaço de papel, no quadro, na coisa que for que detém o relógio desfigurado.  O significado mudou: o seu mostrar-as-horas ou o seu estar-derretido é o nada no plano do papel ou do 2D, intocável na tangibilidade do ecrã ou do quadro, o relógio é nada. É nada composto de tudo, de cada traço do pincel, de cada pixel reunido, cada bit informativo ou cada rabisco do lápis que o redesenhou ao lado, tudo isso para representar uma das ilimitações da representação: o

Golfo

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Houve uma aberta anti-climática Das mãos fechadas das nuvens, E na sua destreza ecléctica, Rezam episcopais por dias. Dias que sejam dias e não horas na vida, Dias que adias por medo de ti mesmo, Um magnetismo que te repele do atraente Numa estética da fealdade brusca e abrupta. Óculos obscurecem os óbvios olhos, E as mentes nunca se abrem a tempo. Perdi a vida para uma experiência antitética, Anti-lógica, de simples e mera visibilidade.

Gatsby

O nosso sonho americano tinha sido realizado. E nós teorizávamo-lo em duas vertentes: a ascendência e a decadência, ambas cunhadas pela nossa assinatura. O mundo parecia nosso, atingíramos aquele clímax da vida, o momento que é seguido de um todo frustrante, exaustivo, desnecessário. Como aqueles que atingem a completude aos 27 e decidem-no por si mesmos, regressando ao preto. Ali estávamos nós, rodeados de champanhe, absinto e toda a erva que alguma vez poderíamos cobiçar, numa totalitarização de luxúrias e caprichos: quartos bordados a ouro, decorados a branco e preenchidos de cerimónia. Mentes completas pelo desnecessário que era saber mais quando o dinheiro era a maneira fácil e o amor estava nas nossas mãos. O fogo de artifício, a luz verde do farol e o cantar de um cisne pareceram sempre adverter-me para um futuro. As mãos dadas à beira da piscina, que reflectia as tremendas explosões no céu, entrelineadas pelo feixe de luz verde, largaram-se para o sono. E o cisne morreu.

Entes Queridos II

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Se nada muda, nada muda. A imagética a perpassar da dignidade, tão cobiçada e tão frustrada, mantém-se. Politicamente correcto ibidem. As inequações, contudo, são irresolutas, como a mente. Promessas vazias e outras promessas que não remendam corações. A poemática também não vai auxiliar numa Jihad inexistente. O ético e a dignidade com fins estéticos e luxuriantes nunca conseguiram dar as mãos. O ressentimento de sentimentos foi o pouco podre pó que sobrou. Imponência e impotência: há quem se vanglorie da sua menoridade. Não vão haver histórias para escrever com lágrimas.

Suficiência e Reversão

"Isto teria sido suficiente... tu terias sido suficiente." Obviedade não é exercer amor, Nem tampouco não-amar. Só nunca guardei o coração no lugar. Atemorizado pela chuva, Não quero ser um cometa em infinita combustão, Não quero passar duma pedrita pequenita arrastada pelo mar. Envenaste-te com os teus dentes, E ainda mordeste a imagem. Viveram a ingenuidade, depois de tanto opúsculo: Amor é fraqueza. "Gerado, não criado, consubstancial" - o Mal. Um herege profaniza ícones em seu torno, Vivemos na deturpação, decadência de Deuses e Sentidos, Emoções e Conotações: E tu perdeste significado na obsessão. Num há três. Em três sete. Sete são treze. A perfeição é reconhecer a imperfeição interior, Engolir uma ou duas vezes a arrogância, Em prol do ansioso bem maior.

Opúsculo

Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições. - José Saramago, in Todos os Nomes Reparo que a ideia tem uma dualidade de capacidades. Tanto nos podemos ver agrilhoados a umas como liberto com outras; e parece-me que a liberdade tem muito mais potencialidade. Tal acontece na simpatia significacional entre Significado e Definição. Parece-me que Significado tem um efeito libertador epistemológico: não só o conceito aparenta trazer em si vários componentes múltiplo

Só Pó

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Sobrei de não sobrar. Somos um tecido esquisito escondido no esquecimento. Limpar o pó às lágrimas e jurar para nunca mais: quem é a minha mente? Eu corro pela minha selva e só oiço tambores a ladrar, um violino que me achega o perigo e afasta a vontade de amar... Na minha estranheza sou-me a mim mesmo familiar, mas aos outros? Afastar para aproximar?  Amar por mentir ou mentir por amar? Um dia vi-me ao espelho e não te vi a ti, senti-me livre de toda a merda e preconceito que tinha de mim mesmo... recentemente vejo-te nas sombras, vejo-te nos vidros por que passo e sinto-me assombrado. És a irónica história de um poeta: a verdade dos ideais, O horror para o sonho que um dia vai acabar: Tu não és tu, és eu, mas eu não me sinto ser.