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A mostrar mensagens de julho, 2017

Flores do Nada

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Permite-me uma questão. Se aceitas a escuridão, mas preferes viver na luz, porque negas os habitantes que oscilam na berma do nada?  Os que foram menosprezados por ambas luz e escuridão, sem poder escolher? Nós não podemos sentir o sofrimento. Não importa que miséria sucumbe os mundos, o que pensam, o que sentem ou como existem...  Em tempos que já lá vão, e havia orgulho em ouvir-se cristão, a minha musa Vénus perdeu os braços. E às suas bênçãos mundanas e utilidades Tirésias traçou mapa em braille. Cheguei à Babilónia em busca de uma bicicleta, pegaram no meu carro e jogaram-no encosta abaixo. "Desliza por pedradas firmes o rochedo" para cair do outro lado do rio, onde as bandeiras são bravas e sensatos os homens que as consideram. Contei treze praias até me poder sentar. Até o mar reflectir a luz da lua e não estar dividido em dúvidas. Não posso banhar em águas que não sei se existem, mas posso agarrar-me a estrelas cadentes, cujo rasto é um autêntico torreão de luz f

E o riso do Cisne?

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Aguarda-se com celebração o dia do fechar das cortinas que são as pálpebras. Ninguém o pondera mas é uma âncora a pedir mais atenção - como uma criança chata no super-mercado. E corre o mito ou a pura mentira do canto do cisne: que é antes de morrer que o cisne solta a sua melhor composição. Se aqueles latidos e bramidos e espremer do corpo para bater asas, esse espectáculo hediondo, se é visto como modo belo da morte, admita-se que morrer num leito, deitado e sem margem de manobra é preferencial à raça humana. Que fariam estes símios para se compararem a cisnes, etiquetados de belos, sublimes ou artísticos? Mais que cantar em prantos de dor (e a estranha correspondência com os gritos do parto) o cisne deve rir-se, concluído o macabro. O sorriso está debaixo das peles e músculos da nossa fronte, prestes a sair apesar de contrariado pelos funestos. Alegra-te, carpideira, que a tua caveira nunca parou de sorrir e se a pele é invólucro, o riso é condição da autenticidad

Os blues da Bandeira Morta

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A minha geração tem a estranha tendência para se pensar numa história. Parece que o que está entre nascer e morrer foi designado como sequência de si mesmo. Para além da sua construção sintáctica da vida (antes/durante/depois) ainda se medem as sensações com uma escala como a de Richter. Cada evento, cada acção tomada ou a espera por efectuar outra, é medido em termos de magnitude e posteriormente posto em perspectiva em correntes de comparações. Durante aquele momento senti com determinada intensidade que só tornei a sentir uns trinta anos depois, diz-se de um momento importante, profundamente sentido e de outro aparentemente similar. Deste lado. Acredito que só existem repetições na nossa relação com o místico ou o esotérico. A relação religiosa funda-se sobre a repetição de ritos, ao ponto de muitas religiões optarem pela repetição obstinada de orações que faz os actos linguísticos perder a intensidade da sua intenção e a profundidade do que significam. Não obstante, a relação rel

O Necromante

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Um mago pirata que lida com os mortos do fundo do mar contou-me que o langor é a delimitação do tempo de espera pela nova sensação de um objecto de nostalgia. Era magro, um saco vazio cheio de ossos. Contei-lhe que os vivos chamam à paixão um fogo que consome por dentro, talvez por associação dos tempos de espera. Discutimos se o langor seria a duração desde esse incêndio ao seu vapor. Pescar um morto implica tornar a sentir sensações associadas a uma cara. Faz-se assim. Lançou a enxada escarlate à fátua água turquesa e puxou de um crânio. Sensações de um envenenamento interior, um peso que sua de dentro. E os mais mal mortos nunca cessam de cheirar a si. Os amantes consomem-se, como o fogo, mas só alguns mortos são consumidos pelo fogo. Só os que não ardem se podem repescar. Será a purificação purgatorial em vida esse incêndio interno, do peso do karma? A torre de colageno que não cai quando lhe atiram uma caveira componente que estruturava a sua base?