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Olhar e Tempo

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Recentemente olho para trás para me aperceber da perfeita bipartição do mundo. O que não está atrás, está à frente, o contrário de dentro é fora, onde há um cima há um baixo. E na maioria das vezes tudo o resto se resigna a isto: ou magoa ou não magoa. O aborrecimento de descobrir tudo isto é da ordem da dor, pela inconveniência, pelo estropiar da maravilha que fica talhada como uma Vénus de Milo. Pessoalmente, acredito que a frente do corpo só o é por ter os nossos olhos. Também será por isso que deixamos para trás  tudo o que fica atrás das costas: o que os olhos não vêm o coração não sente; não o podemos rever ou reiterar, por ser um espaço e um tempo por que já passámos. Vivemos numa ponte entre duas mortes. Ou virtualmente petrificados no dubio já-foi ou inconstantemente liquefeitos no que poderá-ser.

Âncora

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Eu dei um murro num espelho para o despedaçar. Então vi o mundo filtrado por estilhaços, num obstante desconfiar. Os meus pés estavam cépticos de pisar o chão. Deixei bem claro e sem apologias: que me aborrece e repugna o real. A vaidade que me sustentava foi trocada por lama e miasmas-espirituais. Sobrou um deserto pantanal onde a água só corria corrupta, o ar inspirava dor e o sol queimava sem iluminar. Fugir de tudo não bastava sem mergulhar. Dei comigo viciado na queda; sem vertigens: só adrenalina. Eu caí numa profundeza estranha. Um oceano complicado onde já só me alcançam as tuas mãos. E o que resta é sombra. Só tu és contacto e alma, porque sou egoísta ao ponto de dizer que o resto é morte. És a essência que me ancora à realidade e faz respirar no afogamento.

Ruptura

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Martirizam-se pelos meus despojos, Pelo póstumo de uma criança bem-educada Que resultou nisto! E isto é a diferença! Uma ressaca pela falta de compromisso, Um refluxo da ruptura. Exorcizei preceitos morais e religiosos Do corpo que não cabia na forma Onde o pretendiam derretido. O corpo que escorreu no revogar Constantemente decadente Da memória desamorosa, pesarosa. Quem falhou fui eu , nato como vomitado, Que nunca sentiu pulsão pelo certo; Que a irreverência apaixonou Mais que o amor-profissional sustido. Vamos fingir para sempre, Arrependidos das drogas e do sexo. Não tenho de me justificar: A crítica flagela o corpo e não a mente, Que é minha, apesar de rota.

Medicação

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Preferiam que fosse prostituição e absinto barato? Estamos fartos de sonhar por não ser morte. Atolados de gravidade para não poder flutuar. Engolidos pela verdade ignorantes do idear. Não é só escapar: é sobreviver bem. Vivemos a amar por não viver sem. De corações a magoar e preces também. Prefiro não acordar afastado de vocês. E dói-me o corpo quando não liberto a alma. Desculpem, eu amo-vos e preferia não viver sem vós. feeling low from living high. 

Ex-Thesis

A morte e a beleza são duas coisas profundas Que contêm tanta sombra e tanto infinito, que dir-se-iam Duas irmãs igualmente terríveis e profundas, Até no mesmo enigma e mesmo segredo. - Victor Hugo Eu em vós sou empirismo sem platonismo. Corpo desidealizado, posse, prático. Sou a vossa posse do meu soma, arquitectado. E podeis chicotear, demolir, escarnear. Mas não podeis interrogar. Eu em mim sou platonismo sem empirismo. Ideia incorpórea, im-possuível, teórica. Sou razoável, intensificado por sintomas que possuís. E posso enterrar, guilhotinar, idolatrar. Mas não me podem capturar. Podem cicatrizar-me o corpo: é texto, Mas não podem remendar a verdade.

O Relojoeiro

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Era a hora do Relojoeiro regressar à oficina. De devolver tempo a quem tinha a audácia do perder. O instante que mais me atraiu na sua era um facto bem recôndito: que todos os relógios estavam certos ao milésimo de segundo, ou seja, que cada tic estava coordenado na perfeição. Conjugando-o com os vinis de sua predilecção, cada toc era o perfeito eco do ritmo de uma percussão. Mas deus é irónico e gosta, não dá simplesmente dons sem troca e ao Relojoeiro sacou o ouvir. Que outro serviço lhe poderia prestar um relojoeiro? Se o demiurgo podia se bem entendesse fazer do dia uma hora, ou da hora a minha vida. Confiante na memória e no bater do coração, o Relojoeiro via as horas no conjunto de relógios, era com o olhar que as acertava. ... Muitos anos a girar tempos.

thrash

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Matei o notório Lucifer, rasguei-lhe o nosso c ontrato na cara, Pus a faca no bolso, fiz-me ao deserto e devolvi um anjo ao ventre: Quando o parirem, hospitalizem-no directamente num tratado. Desde quando é que a inocência de um cargo confere temor à imagem? Pareces querer penar por mim, achar que podes divisar o Inferno, Mas no fundo a vida é um hormonal inverno, suores e venenos linguísticos. A escrita enigmática dá graça, escondo-me nos horrores da moda: não é propaganda política mas pode ser um movimento da arte. Sobra-me a dignidade para poderes ficar com todo o respeito. Posso não caminhar sobre as tuas práticas, e muito menos mostrar-te a sola à cara. Oiço-te sufocar, é de prazer ou engasgas-te em vómito?

Híbrido

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façam melhor meus caros Trejeitos carnavalescos de ultimatos, meandros do burlesco que é a vossa instituição. Está sempre fora de questão a valorização do conhecimento. Sem direito, têm as coroas que cagaram nas próprias testas. Questionam os híbridos pelo que fazem, tentam delimitar-nos o comentário, ignoram a aurática da natureza que nunca escondemos. Mas um híbrido aguenta com estas merdas, intentem parti-lo com paus e pedras. Prostituam-se pelos cinco minutos de fama que o resultado será sempre a reviravolta. Nódoas negras não se vêm no escuro de um bar, tentaram vender-me em troca da legião que os vai ignorar. Lavemos com lixívia as lágrimas que caem no final dos tempos. Nada vai alterar a criação do destino: híbrido pode significar o que eu quiser. Mas no fim quem se ri sou eu porque só amo a arte e não o ouro. O combustível da technè não são diamantes.

2ª Pessoa

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Há um êxtase da sobriedade, um lusco-fusco crepuscular: voz, abraço e toque. A mais aceitável percepção é distorcida por esta bebedeira de amor. Escorreguemos mutuamente, embriaguemo-nos de compaixão, na incompreensão. Em cada contradição física e mesmo quântica, relaxemos na certeza metafísica da paixão. Não hajam fronteiras entre nós a não ser o que nos separa do mundo e da própria realidade. Que o sono seja durante um abraço e que nos larguemos só quando nos puxarem. Lamentemos quem não compreende, e regojizemos no facto: somos a cura um do outro.

SWINE

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Avé aos porcos cheios de graça: só porque têm piada. Anjos de lençóis branco e rosas ainda mais a mistificar a pureza, Mas joguem-lhe lama acima e estudem-lhes as bio-éticas. Enigma é compreender: o significante é o único significado, Suíno que é suíno, hipotético-diamante envolto em merda, Cuja única surpresa é demonstrar-se nesses lodos semânticos. Calculo a tua cara com as cores que me acusaste de envenenar, Na anatomia do arquétipo, a máscara que tomas são os nojos da verdade, Finges o humanesco que perpasssas - é dos pharmakons  culturais. Na verdade já ninguém reconhece o teu esqueleto a que já remeti, Escalar suínos pode curar amnésias mas não livra dos sintomas, Depois de 10 mil volts de roncos, brincar às cocaínas, não é possível, Guincha, porquinho, guincha, é tudo tão nojento e não há volta a dar.

Canvas

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Pintam-se linhas da luz que prisma por entre a erva, Pecaminosos vales de flores de papel e nuvens roxas Defloram-se e violam-se essas virgindades-estéticas Corta-se o branco com os esgares de outro espectro. Preto. Apago o cigarro nas selvagens cicatrizes do braço (do simbólico perfurar da indústria no natural) Escorrem tons de vermelho desta alma tão venal Acorrem anjos para alcoolizar o podre intemporal. Pistolas. Turquesa. Anjos mortos. Sobre campas pintam-se morcegos A aliança é a permissão do podre acto libertino A coroa e o trono têm-na a idiossincrasia: Afoguemos por segundos quem aprendeu a respirar. Branco. A nossa marca é este contaminar O acto jaculatório que conspurca a selva Tememos quem quer retomar no canvas o seu lugar; Tememos apenas a nossa hipócrita-anestesia.

Pavimentar

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Ninguém o questiona na sua menoridade. Ali está ele debruçado no chão a esculpir o caminho que um dia vai caminhar. Molda-o à sua medida e à medida humana: uma que todos possam pisar, de dimensões razoáveis e estáveis. É por aqui que um dia o céu vai dançar. O cimento de pó cósmico, do suor das estrelas que já dançam, iluminadas pela solidão voyeurista da lua. O pedreiro, pedra a pedra constrói estrada que, quando seca, testa com os próprios pés: não fosse construir uma ponte sem outro lado, não fosse preguiça a segurar-se no próprio braço, crendo-o um ramo. Finalmente, em orgulho e cansaço, o pedreiro cria o seu subvalorizado artefacto. A sua arte&pragma é ignorada. Resta-lhe o vazio e o caminho que a tantos próximos vai servir... mas no fundo só cumpriu a sua função. O caminho para o Inferno está cheio de valsas que os insignificantes compuseram para as galáxias. "Transforma-se o amador na cousa amada"

Fogo & Sonho Tribal

A perda da imagem num mundo que se rege pela aparência, pela estesia, resulta numa desmistificação do corpo morto, que se vê transfigurado pelas chamas. O pó do corpo, agora desvirtualizado, perde toda a sua iconicidade: o signo-corpo está por toda a vida, pela identidade, atordoando-nos num corpo imóvel, invivo. O signo-pó, por outro lado, perde toda a sua conotação identitária, a imagem passa a ser a de um tributo à identidade, essa, que se esvaiu do corpo. O pó perde a capacidade de nos assombrar fazendo-nos questionar sobre a presença ou ausência do ente querido. Mas não nos pode assombrar, o original transfigura-se num simulacro, infundado, mas que implica totalidade e mesmidão material. Se vivemos com o recalque do sonho primal da possibilidade de sermos assombrados, confirmamos que é à essência que se deve ser prestado culto. Ao fim, ao cabo, a formação da identidade resulta da intertextualidade tecida entre as nossas vidas e as dos nossos entes queridos. O corpo é o veículo d

Outro Dos Repositórios

Aos tempos mais que perdidos que não passámos juntos. Vejo no cair das estrelas um reflexo tão magnifico quanto triste. Como o fabulado cantar do cisne morrente. Mas vejo na fixidez das outras um perdurar que te acompanha: uma estaticidade, uma invulnerabilidade à decadência, um palco santo. Somos puzzles como os gregos diziam, de opostos que se atraem, de iguais que se repelem, num magnetismo pré-determinado. Há faíscas nos nossos olhares e muitas vezes temo por elas. Há uma grande nódoa negra no sol de hoje. Há luzes que não servem para mais nada se não aterrorizar-nos com a imensidão das nossas sombras. Tu fazes-me sentir humanesco: um animal no corpo de outro que se via superior, porém, nada mais que um animal. Quem me dera saber aguentar, mas resguardo-me em cigarros e ídolos e deixo estas notas. Já não posso limpar a merda dos nossos sapatos, mas que fique pelos pés, os corpos são nossos. O tempo distende-se e os comprimidos não fazem o tempo voltar atrás... só o poderiam parar

Imagem do Céu

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Caminhamos guiados pelas nuvens, desacorrentados do chão, libertos de monstros inocentes... de nós mesmos. Nesta pureza mecânica se pulsam as veias de electricidade, da fricção dos corpos. Desligados reúnem-se num propósito: o olhar o céu. No dia vemos a nossa cartografia reflectir uma existência externa, a luminosa promessa da relação. Na solidão da noite somos iludidos pela sombra; a existência permanece, ela reflecte a nossa luz. Eléctricos mas nunca estáticos, nunca sós e nunca infames concebemos correntes que nos libertam no seu puxar. Sentimo-nos livres no peso, asfixiados pela leveza e tudo isso é só... perder as palavras sobre o que é viver neste agora...

História

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Da Mentira Escrita Escreve a tua própria realidade. Recomendaram. Sempre fiz por isso, por me expulsar a mim mesmo do natural fluxo da história. Alimentei o mecanismo do veneno: da escrita contra a fala. Deixei em tinta as marcas dos meus dedos que acariciavam a parede. E esse carinho ficou lá para sempre. Foi a única coisa que alguma vez perdurou, só isso venceu a morte. Entre a covardia do discurso proferido - passível, e rapidamente, de esquecimento - e salvaguardar tanto genialidades quanto idiossincrasias na tinta-eterna, preteri o óbvio. Em controlo, descontrolo. Na inocência, os maiores horrores. Compreender, interpretar e significar são tragicomédias, lançadas para o infinitésimo da proximidade ou para a mais longínqua diferença. Um som mal ouvido ou entoado valeu genocídios - e ainda acreditamos na genuína bondade humana, quando os nossos anjos e cyborgs nos transtornam mais que as suas finalidades. Pavimentámos os caminhos do inferno com os nossos nomes em gritos de tinta

Le Paradox

O tempo consome-se a si mesmo num auto-canibalismo horrorizante. A vida e a morte são erodidas pelo desenrolar das marés da memória - de praias cujas ondas não tocam a areia. Neste mar só existe tensão e intenção, entristecidas, entretecidas e entrelaçadas, queimadas pelo sol e geladas à luz da lua. Tensão e intenção de relação e solidão - a conclusão e o thelos de um objectivo, erradicar a solidão. A costa sente saudade, mas nunca demasiado tempo, porque o mar volta sempre a beijá-la. Caos e ordem são noções temporais. A decisão inviabiliza uma em prol da outra. O mundo e a era dão à luz infinitas possibilidades que disso não passam. Vivemos numa só linha, e vemos no horizonte-intocável todas as outras opções. O nosso conflito é desejarmos os sonhos, onde as vemos concretizadas, enquanto elas desejam realidade por só se reconhecerem nos sonhos.

Espelho da Alma-Urbana

Impressionante como me sinto farto do que vejo, Por todo o estranho acabar por ser o mais que ordinário. Mas mais impressionante ainda, quando me apercebo da fartura: Gosto da forma como as nuvens reflectem os sentimentos da cidade. Sinto os batimentos cardiacos da noite Nos passeios amedrontados e nunca solitários. Reconheço a cidade como habitat da decadência, Que a cura está em nós mesmos enterrada; Mas a cada queda: uma pá de terra.

Golden Shimmering Mirage

Eu quero que a minha vida seja assim, Da espuma de constelações que os sonhos são feitos Do mar de laços e ilações nunca adversas que se pode fazer Quero abrir os olhos e ter isto, Porque dormir é limitar e cingir-me a mim mesmo, E a felicidade que nos mantém acordados é o outro. Ninguém gosta de espremer a tinta das suas lágrimas, Mas escrever com os sonhos é desenhar um caleidoscópio Emanado pelas pulsões do coração.

Ralo

Tu cais da vida E aguentas a queda, Através dos comprimidos Que tomas, já não és forte, Como eu nunca te quis ver Andas às voltas num ralo.

Identidade e Ilusão

Criámos o eu para não nos sentirmos sós no corpo. Tudo o que temos na imaginação é imperceptivo. Fenómenos de exteriorização ou alucinação momentânea, numa constante obsessão em exorcizar a solidão, a paragem e, em último caso, a morte. Atormenta-nos a ideia de cegueira, de perda do primeiro sentido da nossa vivência na cultura visual, no império da iconocracia. Porém, é mais fácil imaginar de olhos fechados, no consumar do rapto do mundo, na abstracção do sentido que ao mesmo tempo nos permite qualquer evocação do qualquer outro, nos prende a essa constante assombração. Démos à luz deus para não nos sentirmos sós no eu. Não o tem na sua etimologia, mas Deus parece-me implicar uma duplicação do eu. 

Alteridade e Alusão

Lua. Rosa. Gatos. Vivemos num determinado fascínio Tão absorvidos por nós Quanto completamente arrebatados pelo resto. Só o nós-em-si já é um mundo. E cada fora tem o seu próprio dentro Corações e núcleos, veias de dados afogadas... De certo modo vivemos extasiados neles, Numa espécie de aturdimento imanente.

Devir de Alice

Nos passeios pelo país das Maravilhas, também nós somos como Alice. Tão grandes que dá medo olhar para baixo da sensação do poder, no cume só estão os que vão cair ou descer. Ou tão baixos que tememos olhar para a infinidade do céu, que nos resignamos ao nosso tamanho e forma. E alternamos.

Ressaca Teórica

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Descendo a passos estranhos e irrequietos uma escadaria vinha um filósofo. E na mão trazia uma Pepsi, curava uma outra ressaca teórica. Que maleitas afogaria no homicídio de garrafas de absinto? Seriam as incapacidades humanas de expressar pensamentos ou linhas de raciocínio epistemologicamente saudáveis? Os limites cobardios de um pensamento tão tardio que já veio atrasado na sua pretensa reiteração dos clássicos. Sentou-se na cadeira, ouvindo a forma como uma língua podia assassinar a beleza do pensamento. Os rrrrs e os qqqqqs que arranhavam as gargantas e degolavam os virgens papiros, recém-nascidos e salvos da martirização temporal, salvos na intangibilidade dos pensamentos. É nessa segurança que nos preferimos reter: pensar para não falar, ficar na teoria e nunca na prática, nessa obliviosidade logotécnica.

Canto de Cisne

Semelhanças dissidentes, Para uma ética da finitude, A Higiene mental de se ter um fim E de nos cingirmos à mortal humanidade. Resíduos de tristeza saltam eras, Os cisnes ambientam o antigo e o novo Na sua impreterível ruína. O culminar vai deixar-nos de rastos, O pico de tudo e todos e a prova do que somos Vai deixar-nos relutantes a um continu-ar.

As Luzes Cegam-me

Havia um sub-tom mortal na sua voz: uma clave ou duas que choravam. As sílabas pareciam rastejar-lhe da boca para fora, como se tivessem noção das próprias bestas sub-reptícias que seriam. Certamente soubera como a noite se lhe prostituira, como os valores se viram derreter à luz da vida nas sombras. E como todos só queria a perfeição: qualquer que fosse a sua fruição ou representação. Seria isto?, poderia a prova ser a cristalização, o cúmulo ou pique do nojo? As palavras continuavam a vomitar-se-lhe sem ninguém para as ouvir ou limpar - porque eram sujas: Só vivi... só vivi às escuras. As luzes doíam na vista. Quem me dera recuar, quem me dera voltar ao momento a que fui dado à luz, para lhe aprender a sobreviver. Agora sinto o sangue corroído da cegueira, como se o coração pulsasse insegurança, frio e ubiquidades. Quem me dera recuar, quem me dera voltar ao nada-tudo, à morte de ser parido.

Os Repositórios

Temos um mau hábito muito grande: o de criminalizar outrém, ou reorganizar os cosmos. Há em nós a constante culpa, um recalque ou atormento que nos transborda, O líquido do reconhecimento escoa-nos cérebro abaixo, mente acima e perfura-nos a alma. Como uma seta, e que seta, pois não sabemos mas existe, e se não, fazemo-la existir. São os repositórios e a nossa condenação à tão temida iconoclastia, Os pedaços de terra ou pedra a que, hereges rezamos, pela morte ou pela sorte, Pela vergonha ou pelo deleite. São os repositórios e neles o nosso deus, e nós mesmos, Os nossos mitos, fados e religiões, na sua complexificação do simples, Na sua simplificação do complexo. E são os repositórios, com função dupla: a de deixar de ser a coisa para ser o mito, Ou de ignorar o mito, para se cingir à condição de coisa. Somos entes doentios, uma peste bastante nojenta, é isso que somos.

O Meu Rapto

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Revelo-me no que me expele daqui, Mediando a ponte entre o eu e o ti. Presença na ausência, constante do inconsistente. É apaixonante este magnifico rapto, Que desde a pedra transformada em gado E desde a moldura apelidada de memória Nos adultera pela hipnose do visual. A frase é um ícone, o parágrafo é um símbolo, E o texto está em constante reverberação (em mim, sim, eu), A Hermenêutica de um devir textual, Que projecta qual cinema mental de imagens Esta nossa Imaginação controlada - temos esse super-poder-, O todo fotográfico que consumamos em nós mesmos: O cérebro como alegoria alucinogénea da vida, Escorrido da tinta preta.

je n'est pas moi

Que serei eu, que não um mero objecto numa frase?  Se não a influência psicológica da outridade em mim? Não sou mais que pensamento como minha própria prova irrefutável, Nem menos do que o que me circunda, por mim apreendido e engolido. Eu não sou eu, je n'est pas moi, je n'est pas moi-même. Sei que existo porque de mim saio, enquanto permaneço. Um concreto de um abstracto ou o vice-versa de um ser-estar-ficar. Sei que sou porque aqui fico... numa constante reverberação do ânimo. Mas o ser deixa de ser quer quando se conjuga, quer quando se predica, E predicar é fatalizante - e eu não sou eu mesmo. Nem o mesmo.  Foi, sem dúvida, a dúvida que menosprezei que me provou. ...

A Recoleta

Invernos inversos às anteriores insurreições: Perdoem-nos os macabros pecados da gentileza De oferecer em céu o que não vemos na terra. Desdenhem-se os artefactos anti-factos, Que reluzem na sua sumptuosa sinfonia de beleza. Descobrem os infortunados reencarnados na destreza. Telhados de vidro cobrem árvores na sua limitação, Já pretendemos contornar em círculo as barreiras da finitude Preferimos proferir em silêncio os actos da cabalidade Ignoramos as inocentes descobertas iluminadas, Das infinitas galerias, de inúmeros andares andados. Num passo o contratempo, no espaço o contrapasso.

Le Temps

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Que mais senão uma mosca pousada num relógio bordado a ouro? Um relógio gelatinoso que escorre mesa abaixo. Um relógio que, na sua massificada banalidade tem uma mosca em si pousada: reza nojo e pó. Numa iconofília irremediável, numa "civilização da imagem", o ícone é batido e desbatido de significado: repetir inúmeras vezes que são cinco para as sete deixa de ter significado para ser só som, e o só-som é poluição. Diria que hoje não é o relógio que tem a mosca, mas que foi a mosca que pousou na imagem, no nosso pedaço de papel, no quadro, na coisa que for que detém o relógio desfigurado.  O significado mudou: o seu mostrar-as-horas ou o seu estar-derretido é o nada no plano do papel ou do 2D, intocável na tangibilidade do ecrã ou do quadro, o relógio é nada. É nada composto de tudo, de cada traço do pincel, de cada pixel reunido, cada bit informativo ou cada rabisco do lápis que o redesenhou ao lado, tudo isso para representar uma das ilimitações da representação: o

Golfo

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Houve uma aberta anti-climática Das mãos fechadas das nuvens, E na sua destreza ecléctica, Rezam episcopais por dias. Dias que sejam dias e não horas na vida, Dias que adias por medo de ti mesmo, Um magnetismo que te repele do atraente Numa estética da fealdade brusca e abrupta. Óculos obscurecem os óbvios olhos, E as mentes nunca se abrem a tempo. Perdi a vida para uma experiência antitética, Anti-lógica, de simples e mera visibilidade.

Gatsby

O nosso sonho americano tinha sido realizado. E nós teorizávamo-lo em duas vertentes: a ascendência e a decadência, ambas cunhadas pela nossa assinatura. O mundo parecia nosso, atingíramos aquele clímax da vida, o momento que é seguido de um todo frustrante, exaustivo, desnecessário. Como aqueles que atingem a completude aos 27 e decidem-no por si mesmos, regressando ao preto. Ali estávamos nós, rodeados de champanhe, absinto e toda a erva que alguma vez poderíamos cobiçar, numa totalitarização de luxúrias e caprichos: quartos bordados a ouro, decorados a branco e preenchidos de cerimónia. Mentes completas pelo desnecessário que era saber mais quando o dinheiro era a maneira fácil e o amor estava nas nossas mãos. O fogo de artifício, a luz verde do farol e o cantar de um cisne pareceram sempre adverter-me para um futuro. As mãos dadas à beira da piscina, que reflectia as tremendas explosões no céu, entrelineadas pelo feixe de luz verde, largaram-se para o sono. E o cisne morreu.

Entes Queridos II

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Se nada muda, nada muda. A imagética a perpassar da dignidade, tão cobiçada e tão frustrada, mantém-se. Politicamente correcto ibidem. As inequações, contudo, são irresolutas, como a mente. Promessas vazias e outras promessas que não remendam corações. A poemática também não vai auxiliar numa Jihad inexistente. O ético e a dignidade com fins estéticos e luxuriantes nunca conseguiram dar as mãos. O ressentimento de sentimentos foi o pouco podre pó que sobrou. Imponência e impotência: há quem se vanglorie da sua menoridade. Não vão haver histórias para escrever com lágrimas.

Suficiência e Reversão

"Isto teria sido suficiente... tu terias sido suficiente." Obviedade não é exercer amor, Nem tampouco não-amar. Só nunca guardei o coração no lugar. Atemorizado pela chuva, Não quero ser um cometa em infinita combustão, Não quero passar duma pedrita pequenita arrastada pelo mar. Envenaste-te com os teus dentes, E ainda mordeste a imagem. Viveram a ingenuidade, depois de tanto opúsculo: Amor é fraqueza. "Gerado, não criado, consubstancial" - o Mal. Um herege profaniza ícones em seu torno, Vivemos na deturpação, decadência de Deuses e Sentidos, Emoções e Conotações: E tu perdeste significado na obsessão. Num há três. Em três sete. Sete são treze. A perfeição é reconhecer a imperfeição interior, Engolir uma ou duas vezes a arrogância, Em prol do ansioso bem maior.

Opúsculo

Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições. - José Saramago, in Todos os Nomes Reparo que a ideia tem uma dualidade de capacidades. Tanto nos podemos ver agrilhoados a umas como liberto com outras; e parece-me que a liberdade tem muito mais potencialidade. Tal acontece na simpatia significacional entre Significado e Definição. Parece-me que Significado tem um efeito libertador epistemológico: não só o conceito aparenta trazer em si vários componentes múltiplo

Só Pó

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Sobrei de não sobrar. Somos um tecido esquisito escondido no esquecimento. Limpar o pó às lágrimas e jurar para nunca mais: quem é a minha mente? Eu corro pela minha selva e só oiço tambores a ladrar, um violino que me achega o perigo e afasta a vontade de amar... Na minha estranheza sou-me a mim mesmo familiar, mas aos outros? Afastar para aproximar?  Amar por mentir ou mentir por amar? Um dia vi-me ao espelho e não te vi a ti, senti-me livre de toda a merda e preconceito que tinha de mim mesmo... recentemente vejo-te nas sombras, vejo-te nos vidros por que passo e sinto-me assombrado. És a irónica história de um poeta: a verdade dos ideais, O horror para o sonho que um dia vai acabar: Tu não és tu, és eu, mas eu não me sinto ser.

Metrómono

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De cima, a cidade é a calma. A calma não deixa espaço ao vazio: Não há insegurança sem vazio; Não há deus que nos preencha. A cidade é a calma. Não há uma mancha caótica Na natureza da indústria, Os esgotos têm águas límpidas. A cidade é a calma, A Natureza é a reversão, Nós somos o dentro-fora. Nós estamos mas não devíamos.

Casa Assombrada

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Lavo o tempo levado pela des-culpa, Toda uma catarse química, uma economia corporal, Um desejo de desvirgular as virgulas do nosso crepitar. As árvores entravam-me sombrias pelas janelas, A lareira parecia desmaiar lentamente de hipotermia. Não sei se acabei só ou não: não sei se sinto a minha presença sequer. Corpos dançam mecanizados num coma morto-vivo Com abóboras ardentes em vez de cabeças, Engoliram-me com as labaredas que cuspiam dos cigarros. Fechei os olhos para me sobreviver, senti uma mão no não-sentir, Esfreguei-a às minhas mortes tocantes, vi criação e inutilidade juntas: Espero não te ter esfriado o sangue com o meu corpo obscurecido.

O Mito, Ontem

Não posso deixar de achar que os nossos avós viviam um matrimónio com os seus contos. Uma determinada quantidade abusiva de pormenores detalhados ao pixel para com os quais tinham um pacto. Um laço inquebrável entre contador e história, uma fidelidade que dá inveja aos céus. Era essa a magia que nos prendia: a do compromisso que se susteve durante gerações e gerações até romper. Mas o que é que mudou?

Liebe und Kunst

A reviravolta no conto contou-me E informou a infância interior Desenvolve-te depressa, Demasia-te adulto. O Amor é fraqueza, Viver é complicar o dentro e o fora, Não deixo do pensar. Foi o pulsar que começou a imitar, A vida que representou a arte, Em repositórios de fé e afecto, Que me afectam as chagas cegas Do coração ou das ruínas rotas dele.

Mafalda

Na demanda pela dignidade, tu deixaste-me pela tua humanidade. Mas cingiste-te ao ser-humano do Ser Humano, prendeste-te dentro do corpo e deixaste-me só, na guerra contra os mais Humanos dos humanos, as criaturas mais endeusadas presas à terra. Bati-me contra aqueles que nos deram as palavras para as coisas. Os cientistas que finalmente decidiram pegar num Ser Humano e vê-lo como ser-humano e dissecar cada pedaço do corpo, da alma e da mente. Alguns deles perderam-se no caminho recto: o bem é um caminho recto, é preciso entortar o Ser Humano, perder o ponto de vista da luz no cansaço, na fadiga de lutar para nada ter; viver para não criar ou viver para destruir, viver no aturdimento do caminho recto ser múltiplo e querer percorrer toda a sua multiplicidade. E pusémos o imaterial em recipientes, chamámos-lhes memórias, sentimentos, obsessões e religiões. E pusémos imitações de latão a guardar os recipientes, demos-lhes funções, nomes e marcas. E pusémos os robôs a matar-nos, e

5 breves notas

bem / mal Todos os fracassos que vivi ensinaram-me que não existe bem ou mal, melhor ou pior, mas apenas o poder da superioridade que nos estrangula na sombra. Na sombra lançada por detrás da luz daquele farol de esperanças; lançada pela porta que nos é fechada por aqueles que engolem a chave e as cópias.  imortal / morto Um dia falaram-me de alguém que nunca vi nem conheci - apenas ouvi. Parece que a morte filtra umas quantas características, inscreve na história os que mais traíram a nossa condição de animais. No fundo, traímo-nos a nós mesmos quando decidimos subir um pouco a nossa fasquia, quando nos considerámos homens. moral O complexo de superioridade inviabiliza bem e mal: vive-se acima da moralidade, do texto e pretexto público, no objectivo de manter um escadote-pedestal sob os nossos pés. Não há lições nem empirismos por experiência-erro, só perfeição ao nosso tortuoso nível. fracasso Por um fim, preciso de meios, e o meu narcisismo advém de cada momento e

Anatomia do Desastre [Jerusalém]

Apesar dos esforços d'A Máquina para nos "humanizar", o animal interior nunca se perdeu. E agora A Máquina cospe-nos na testa por nos mantermos iguais. O esforço d'A Máquina estatizou, ou seja, parou quando nos fartámos dela, como antes nos fartámos de tanta outra coisa que nos seria imprescindível enquanto animais. A nossa tão bem resguardada cultura, naquele pedestal de diamantes forjados pelo nosso egoísmo, resulta do cansaço de evoluir, da frustração que era termos de ser nós a mudar para interiorizar e sobreviver ao exterior: a cultura é o oposto, o nosso esforço em moldar o exterior à orografia do nosso corpo-humano. Somos tão animais. Neste terceiro passo (1. evoluir, 2. cultivar, 3. aguentar), entrámos em fadiga por depreender que o mundo não é perfeito, mesmo depois de tanta mudança. Mas sê-lo-á para algum animal desses que nunca o tentou mudar? O nosso canto estaria-nos assegurado se a sobrevivência se tivesse mantido a nossa única frente de guerra face

O Ponto

Só quero deixar a tinta escorrer-me dos olhos. Odeio o falhanço e sacrifico-me por ele. Quando és não és e quando preciso já não estás. Eu nunca devia ter caído na esparrela. O mundo não melhora, apenas as imagens e essas são miragens. O destino não existe porque o mundo não é perfeito Se eu tivesse virado antes... O dispositivo que não me aceitou... Tudo nos vai sempre desapontar. Quão mais fortes palavras chorar melhor. Parece que estás demasiado perto para amar, Que não há nada que possa dizer, Só não quero mentir, basta respirar para pecar.

Tentativa número x+y

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Fascina-me a capacidade complexificante do Homem. A necessidade brutal e animalesca de requerer uma presença do invisível no visível, do ausente no presente, uma determinada angústia pela morte e a portuguesa saudade agarraram-se aos nossos mais íntimos arquétipos existenciais, a nossa psíque já não funciona - talvez por também ser uma materialização do desconhecido - sem este nosso poder simbólico. Desde os primórdios da comunicação fazemos alusões em diferido ao terceiro, gerando-se assim distorções espacio-temporais semânticas. É mesmo ancestral esta técnica rupestre de representar na perfeição a nossa caça essencial ou teórica - o mundo passou para dentro de nós através da semiose, o poder de dar um nome é o poder de apreender algo dentro de nós. Aqui, entram em conflito os tão simples conceitos de interior e exterior. Numa acepção lata podemos afirmar que não existem limites para a representação: o invisível perde o misticismo quando ouvimos falar de partículas de oxigénio e h

Love is evoL

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O amor ensinou-me a não me dissipar nos outros, As músicas ecoam e agarram-se às minhas costas. Aposto os meus cigarros, malabarismos de fumos Num aquário indecente, fujo à luz do meu farol. Visibilidade na invisibilidade, distinguir o irresoluto Trabalhar nas pirâmides, dissecar os mais que secos, Por réstias de vida invividas. Mas o amor é fodido. Só duas pessoas se podem juntar e tornar o amor tão sádico. Demasiados interiores requerem cristalização exterior, Vazio num aterro de 'Mona Lisa's escritas e rescritas: O amor é o reflexo simétrico do mal.

Silêncio Ilegível

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Regressei ao meu próprio Glacial Lacrimal, o santuário de tristezas e desabafos na temperatura certa. Onde os medos e as mentiras são simples e limpos como me costumava sentir dantes, numa certa inocência. Mas hoje não. Hoje não. Hoje temo os meus sentidos. Sinto o frio derreter-me a pouca-alma que desaba lentamente. Nos espelhismos do gelo vejo-me congelado por um olhar, petrificado por um silêncio. Não me perdoes, nunca. Lembro-me da minha própria tristeza de existir sem propósito anteriormente, numa única frase "gelam-me as veias pelos defuntos" era uma intelectualização dum sentimento para perder a sua faceta sentida. A arte não magoa, nunca. Em tempos, senti-me seguro a nadar guiado por uma luz, os mais ínfimos movimentos da água em torno do meu corpo pareciam saudáveis. Ao menos, o mundo mantinha a vida com que me fascinou. Mas agora, parece que o sol se pôs nos meus olhos... o escuro quente e fluxo em que vivia perdido congelou neste calor assombroso que me des

Respirar é Irrelevante

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A minha acepção do mundo é platónica; gosto de pensar que estou sempre errado, vivi a vida para o descobrir. O antigo é mentira, e a verdade está para lá, inalcançável. Sou ideais. Sempre me guiei por padrões que não eram mas podiam... a realidade é uma mentira e não existe nada sem a sua essência inteligível. Pelo meio de tantas linhas de luz e sombra cruzadas, constantemente tropeçamos nos modos fáceis e covardes de ver o mundo. Nada é. Nada interessa. Comentários idílicos de nós mesmos, paródias e mesmo pastiches, são os resultados a que fomos expostos, por sermos impossíveis, inapreendíveis. O nosso espelhismo é miragem. Não me confunde o ver para não ver - ou o sentir para não sentir, - a vida está morta nos nossos sentidos, fluída no que não conhecemos. Tenho pena dos loucos que se relegam para inutilidades e secunda ou terciarizações, que choram pela irrelevância de respirar. Que vivem no nojo de viver para sobreviver. Guardei este segredo comigo, porque o outro já m

No Berço de um Órfão

Quão animalesco é viver para construir propósitos?, de nós sobra o que não nos resta, só tristes moléculas. Criámos o paradoxo de desabrochar em algo que desconhecemos, vomitando-o à nossa medida de passos numa história. E que epopeia seria esse nosso rito de destinos! Romance da tristeza de existir, ou realismo irónico que é ser-se para não ser. Para quê a liderança alheia, quando nascemos sós, paridos a gritar de um pavor contraditório: da segurança do escuro-quente para a incerteza da luz-fria. Adormecemos neste berço de órfãos, sós e cogitantes, no arrulho gelado de saber, no paradisíaco coma de fingir.

fucked up shit number something

Não fales. Ninguém acredita que estas coisas podem acontecer. Tanto no topo duma montanha, como no fundo do oceano. Nunca fales. Não é que me preocupe ou queira saber o porquê. É o puro sarcasmo e a arrogância de adorar a felicidade e a tristeza. Nem te expliques. Conjecturas não faltam, para nós nada são. Promete-me a mais pura comunicação e deixa-me neste abismo despido e morto.

... sobre a cultura enquanto tesouro global

Beatas cadentes da varanda em sinal de fadiga pela sumptuosidade que é a subversão. Crescemos tanto sós, num nós despersonificado que foi a regulação do cogitar. Estremecem-nos as veias pela tensão que é admitir que criámos mais que podemos manter em nós e agora a humanidade são nomes soltos de glória e fama por isto e aquilo: o suposto nós é um real eu de fora que se centra na sua arrogância de descobrir ou denominar. Os momentos que fizémos para nos sentirmos altruístas são autênticos momentos de egoísmo e puro nacionalismo: um imperialismo cultural. Destruímos a experiência dos outros quando propagámos a nossa como dogma, e cada vez mais creio que a escrita foi realmente uma dádiva que nos infectou de forma crónica, num paradoxo que é saber e partilhar ou ignorar por não partilhar. Enquanto os campos são muitos e os interesses escasseiam nuns lados para proliferar exponencialmente mais noutros, a escolha deixa-nos dum lado acultural, e mesmo o que aqui exponho é um crime contra

A Imagem

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A maré trouxe-te aos meus olhos Caíste para não corroer mais. Os sinos tombaram o homem da torre E os sonhos fingiram-se num pedestal-infernal. Tomar o ódio como um ideal é uma metáfora Mas Tu não Creste em mim no gelo E agora prometo-me teu espelho Numa aliança que dará combustível ao sucesso.

Bénédiction?

(Sete teses na decadência da condição humana) Na criação recebi uma chave que chamou um raio de luz e incidiu aqui mesmo. Iluminando o que os olhos não viam e a mente não pensava, mostrou tudo o que ele mesmo percorreu, e o que mil olhos que de mil braços se estenderam viram, ficou aqui preso na liberdade que lhes dei. - Inspiração Libertámo-nos de um pequeno espaço quando nascemos, berrámos de medo pelo incómodo de viver. Crescemos para ver o mundo que se estendia à nossa volta fechar-se na perspectiva finita que temos: quem diria que um horizonte é tão perto? que pensar nos leva a ver o longe sem nunca o ver? O luminoso-quente puxa-nos e o escuro-frio afasta-nos, tão primitiva ainda é a nossa acção. - Ver é Saber Vivemos uma claustrofobia na agorafobia: lá fora estamos presos dentro de nós, pois cada vez mais sabemos o que dantes não sabíamos. A overdose intelectual corrói o cérebro que, pobre coitado, tendo de mais já não sem em que pensar. Envenenaram-nos com o dom da esc

O Terceiro Plano

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De onde estás vês-me em cada espaço branco, no sorriso de cada letra, no desgaste com que interpretas cada palavra. No vazio onde estou, expiro símbolos mortos, ideias paradoxalmente impossíveis, mundos vãos. Mas o nosso sítio toca-se neste possível-impossível mútuo, nesta infinidade na finitude de cada um dos lados. E estes olhos olham-se assombrosamente, na fantasmagoria do saber e na persistência da ignorância. Quem está aonde? e quem é o quê? Para quê esta linha ténue por que ambos caminhamos qual corda-bamba? Porquê estes mundos separados que no fundo são o mesmo? Se eu disser que escrevo, saberás o que eu escrevo, ou entenderás que é isto? Esta catarse já matou demasiados por curiosidade, na desolação de viver sem saber. Entristece-me conhecer a complicação a que chegámos: por vezes, as palavras não são as coisas, mas mantêm a sua beleza na tensão ser-não ser. Este imaginário é um vidro inócuo, transparente e translúcido, uma barreira virtualizada pelos deuses a quem roubámos

Infância

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Oscilo na ideia sem imagem, na perspectiva de coragem e estéticas de graça e paz. Olhos vêem menos que mentem, palavras corroem mais que dizem, todos nascemos da mesma dúvida: Seremos Reais? Ou meros pobretanas?