História

Da Mentira Escrita

Escreve a tua própria realidade. Recomendaram. Sempre fiz por isso, por me expulsar a mim mesmo do natural fluxo da história. Alimentei o mecanismo do veneno: da escrita contra a fala. Deixei em tinta as marcas dos meus dedos que acariciavam a parede. E esse carinho ficou lá para sempre. Foi a única coisa que alguma vez perdurou, só isso venceu a morte. Entre a covardia do discurso proferido - passível, e rapidamente, de esquecimento - e salvaguardar tanto genialidades quanto idiossincrasias na tinta-eterna, preteri o óbvio.

Em controlo, descontrolo. Na inocência, os maiores horrores. Compreender, interpretar e significar são tragicomédias, lançadas para o infinitésimo da proximidade ou para a mais longínqua diferença. Um som mal ouvido ou entoado valeu genocídios - e ainda acreditamos na genuína bondade humana, quando os nossos anjos e cyborgs nos transtornam mais que as suas finalidades. Pavimentámos os caminhos do inferno com os nossos nomes em gritos de tinta maiúscula.

Escreve a tua própria vida. Disseram. Preferi a criação de mundos, o patamar da humanidade, tudo menos a animalização. Mesmo assim, ainda me sinto na inferioridade, na deformidade e mesmo na informalidade. Deus há um para cada um, mas os ícones que veneramos são o que/quem nós quisermos. Portanto, resta-nos a fantasia, que na sua fragilidade é tão erroneamente confundida com a mentira. E a única forma da inscrever no real é através da escrita.


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