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A mostrar mensagens de novembro, 2019

Todo Inteiro

— tradução de "Tout Entière" de Charles Baudelaire O Demónio, veio esta manhã Visitar o meu alto quarto, E, cobrando por me ver em falta Disse-me: «Quero bem saber De entre todas as coisas belas Como é feito seu encantamento?, De entre objectos negros ou rosados Quem compõe seu corpo encantador?, Qual é o mais doce?» — Ó minha alma! Tu respondes à Aberração: «Como nela tudo é díctame Nada pode ser preferido. Enquanto tudo me assalta, ignoro Se alguma coisa me seduz. Ela explode como a Aurora E consola como a Noite; E a harmonia é muito requintada, A que governa todo o seu belo corpo, Para que a impotente análise Ao notar os numerosos acordos. Ó metamorfose mística De todos os meus sentidos fundidos num! Seu hálito faz a música, Como sua voz faz o perfume!»

A Beleza | O Ideal

— tradução de "La Beauté" e "L'Idéal", de Charles Baudelaire A Beleza Eu sou bela como um sonho de pedra, ó mortais! E meus seios, onde todos se magoam São feitos para inspirar no poeta um amor Eterno e mudo, como este mármore. Assente no azul, como uma esfinge enigmática; Uno o meu coração de neve à brancura dos cisnes; Odeio o movimento que desloca as linhas, Eu nunca choro, e jamais me rio. Os poetas, diante das minhas grandes atitudes, Que pedi emprestadas aos mais ferozes monumentos Consomem os seus dias em austeros estudos; Porque eu, para fascinar esses dóceis amantes, Tenho espelhos puros que tudo embelecem: Os meus olhos, estes olhos arregalados do brilho eterno! O Ideal Não é a beleza que as vinhetas ilustram, Produtos danificados, frutos de séculos desonestos, Esses saltos altos, dedos em castanholas, Quem irá satisfazer um coração como o meu. Deixo a Gavarni, poeta da clorose, Um rebanho a balir belezas hospitalares, Pois

Re:Torn

Não há nada para além disto. E, no entanto, está lá tudo. Chegou o dia em que tive de duvidar da imagem do céu Que é a única verdade coerente. Imaginem uma salina (que existe, juro), com águas tão salgadas e perímetro tão lato que o céu não tem alternativa a não ser deixar-se repetir pela terra húmida. Que tanto o enoja. E tanto nos excita. Foi então que percebi a interrogação do monge budista: se colocares contíguos dois espelhos, qual das imagens produzidas será a mais falsa? E se colocares contíguas duas pessoas, qual das versões a mais verdadeira? Eu nunca me vi reflectido no céu, mas já ouvi pessoas da minha espécie jurar que vêem lá os reis do antigamente. E no entanto, o borrão azul deste céu nublado e branco é repetido, tal como o meu corpo se repete, de pés para o ar, contíguos aos meus. É repetido mas não repete. Não repete, mas aqui se repete. Vim enxotar um estado da alma, vim vomitar diamantes, vim derrotar outro dragão e não tomei alucinantes. Acabei