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Oblívio: A lâmina de pétalas

Eu rebolei na lama e salvei um trono. Certamente, seria tarde demais para apresentar o que quer que fosse de remorso. E, na verdade, era um péssimo dénouement . Os que se perderam pelos corredores deste castelo não receberam o memo : encontrar é perder, perder é encontrar. Não é uma questão de transviar as direcções, não é uma questão de trânsito. Não é sequer uma questão gnóstica, nem, até, de destino. É saber caminhar: pôr um pé em frente ao outro e seguir. A direcção da sequência é sempre frente, a vida não tem outra e o Castelo Oblívio é tel qu'elle . Sublinho outra vez: caminhar é em frente, não é para cima, meu bando de zés-ninguéns... ou seu, não quero apoderar-me do que quer que seja. Como tantos nadas que cantaram em refrões e ecos o narcisismo do meu passado, que permitiram a construção deste fantástico baluarte das armaduras. As muralhas sobrepostas, brancas, escritas a grafite, inscritas a grafíti, porque o simples é fixar o passado dos outros. O simples é fazer malabar

Adamante e Copas

De súbito, endireitei as costas e expus a testa à luz. Dei-me a mim mesmo tal permissão caprichosa para um tufão da penugem de um albatroz. Da  pedreira, passei à clareza, da asma à respiração. Repentinamente, o tempo futuro dissolveu o passado e o coração pulsa sonhos de um tom rosa, menos petrolífero. Cheguei às fornalhas e atirei a armadura que sobreviveu à guilhotina. Do fugaz e da imprevisibilidade, devolveu-me a fúria de viver. Surpreendentemente, estas lágrimas sabem a amor e os sorrisos já não custam a esculpir na cara; A mão vagueia no ar em busca da outra que carece, o coração soluça enquanto não dança à tua melodia. Arrisco a dizer que se formam novos exércitos: A vida lança as cartas e tudo o que saem são copas a tatuar yours truly Mt. Rushmore no enredo destas veias E servem todas para te devotar.

Ray of Hope MIX

As ruínas que sondo No entreforro da realidade São desapontantes Remexem na responsabilidade Apagam os problemas De todos os apegos Removem-se do fim Os princípios da diversão. Oh, eu já lidei dantes Com os ingredientes da mistura A poção pela obsessão Não é uma nova possessão Que me mata outra vez A cada crua sensação E mata-me as que quiseres Com a eleição da gravidade Dessa espada. Já vendi o reino por um sonho Já assinei contratos a sangue Para oferecer filhos ao diabo Comprei um futuro a impaciência A êxtase e fraqueza, talento e doçura Em originalidade fiz explodir Os sacos de sangue nos céus Não passei nunca de um brinquedo. Já alguma vez viste o público passar-se? Já sobrevoaste corpos sem a imaginação? Faz-te soar. Mas deixa cair a espada E eu desapareço como a responsabilidade Do sol se pôr no solo a cada final do dia Deixei atrás copos de champanhe por limpar Sujos de terror e preocupação Calados pela melodia e pelas canções do melodrama.

Se

(tradução de "If" de Rudyard Kipling) Se te podes controlar quando tudo em volta Se perde e te atira a culpa, Se te podes confiar quando todos duvidam, E ainda concedes a sua dúvida; Se podes esperar e se não te cansa esperar, Ou ser mentido, não lides com mentiras, Ou ser odiado, não dês espaço ao ódio, E ainda parecer bem, nem abusar da sensatez: Se podes sonhar — e não fazes do sonho amo; Se podes pensar — e não fazes da ideia dona; Se podes conhecer o Triunfo e o Desastre E tratas esses impostores de igual modo; Se consegues ouvir a verdade que falaste Retorcida por patifes para enganar os tolos, Ou ver as coisas a que deste vida quebrar, E descer para as reconstruir com as ferramentas: Se fazes um montão de tudo o quanto ganhas E o arriscas num turno ao jogo de dados, E perdes e começas de novo com os teus princípios E nunca respiras uma palavra acerca dessa perda; Se podes forçar o coração, os nervos e os músculos A servir o teu tur

rant #TPL

Poslúdio a única demanda da vida, desengano de alma triste e cedo, é pela bússola do desejo. por um caminho decorado de plantas cobertas da cinza de um incêndio que passou demasiado perto. foi o incêndio que traçou este caminho, levou os lírios e partiu os vidros, rompeu o espelho e a bússola, deixou tudo no chão. a bússola está desfragmentada em madeiras e mercúrios, sob as pétalas destes lírios todos eles maus augúrios. às labaredas que mancham de negro as paredes, ao incêndio que vimos por uma esmeralda. um brinde às frustrações das devoções, um palco para o egoísmo rodeado das cópias das cópias dos entes queridos. um palco medido a palavras, traçado a pena, sustentado por ideais. uma peça a sós, uma peça de nós, decorada de mim e por mim. às frustrações das devoções e à ironia que só faça falta o calor quando se não tem verão. aí os lírios podiam crescer e manter as aparências dos delírios deste espelho, cheio de pó. o pó acumulado por cima do espelho inútil. um reflexo que nã

Pegar fogo à cena

2ª Cena do Acto III: Na praia Um caixão de vidro é carregado por cima do público e até à água. Logo, Eu pego num arco, ateio fogo à flecha e lanço-a ao ar. A órbita descrita é quase perfeita, uma subida seguida de uma descida. E com elas o dénouement desta história que já não está por contar. É o fim do Caos, no fim deste abismo. É aqui que vamos deixar as cinzas do sufocado afogado. O público aplaude e agita lencinhos brancos como quem faz adeus. O caixão arde no lento rebentamento das ondas. (ouve-se o som de uma trompete estridente ordenar a paragem da peça.) Que som é este de uma trompete que faz hesitar o seguimento normal das coisas? E quem é que tem a dignidade audaz para fazer parar um funeral? Que sucesso se pode esperar de uma tal decisão feita atitude? (entra uma pessoa de calças cremes, T-shirt entalada nas calças e óculos à ponta do nariz.) Encenador : Pois, nem mais nem menos do que o encenador. Faço-me anunciar deste modo, com a pose e a compostura de um rei do d

A inocência e a perversão

1ª Cena do Acto III: Na praia (a cortina vermelha reabre, no centro do palco está sozinho um corpo de costas, sobre o que parece ser um areal cortado pelas ondas que o banham e lhe alteram a fisionomia. a água circunda todo o palco que é circular.) Caos : Estar aqui faz sentir o falhanço, o insucesso respiratório, a tortura de água. Aperta-se o tempo e abre-se a ferida, escoa o líquido esmeralda pelos furos do penso e tinge-se o corpo de petróleo. Não, o Caos não funciona aqui. Voz de fora do palco : Tudo erra, mas só se aponta. Tudo era e já não se conta. Tudo erva, mas sabe a ponta. Caos : Se vires o termómetro, pede-lhe a minha febre. Remove-me os parâmetros, tempera-me com mercúrio. Faz daquele pigmento a cocaína turquesa, o mesmo pigmento azul que sustenta este figmento. A lastimosa dificuldade lastimável e o inestimável: a esperança de um coração sem ninguém. Para que se hão de resolver os enigmas, se o problema é sempre esse: a viagem é dura para os escombros de um sant

Via de lírios

Interlúdio Quando a cortina reabre, o chão está coberto de pétalas de lírios roxos, com um caminho aberto a meio, de um lado ao outro do palco, o fundo é escuridão. O público pouco dista do palco. A atmosfera é a da calma depois da tempestade, das decisões tomadas pelos dados lançados. Cada peça está onde ficou, cada estilhaço por debaixo de lírios. O estranho caso deste episódio são as flutuações das conversas: cada fala é uma frase que ficou por dizer ao espelho. A maldição, a incapacidade de se olhar ao espelho inverteu-se: o Caos não tem sequer um espelho para que olhar. Estás a apressar demasiado o processo.  Eu estava exactamente onde queria estar. Tu tentaste destruir o Caos porque não suportas olhar para a escuridão?  Porque não suportas aguentar os teus erros?  Pois eu também não suporto o teu tão conceituado sucesso. Não tens de elogiar. Não tens de te preocupar por muito tempo. Acreditas ser melhor que o Caos?  Acreditas ser mais forte do que o Caos?  Ac

Difracção

3ª Cena do Acto II: Ao espelho (O palco vai girando consoante as personagens vão falando.) Voz de fora do palco : Não deixavam falar ninguém, mas por outro lado... Eu : Como é que se consegue o equilíbrio entre falar demais e falar de menos? Entre a histeria e a monotonia? Falar demais sobrecarrega de sentido. Falar a menos não define objectivos. Os adjectivos que acabaste de empregar circunscrevem a pessoa que descreve. Um rei ordenava. Um vilão frustra. Caos : Um manipulador determina. Então é fácil entender que o Caos é quem frustra as ordens, mas acrescenta-lhe estes outros juízos de valor como "verdadeiro Rei" ou "falso Vilão" e verás como se forma uma claque de futebol. É normal encontrar a maldade na vingança da dor, no desengano dos enganados, no caótico que a ordem aparenta não ter. A perfídia acaba por ser uma resposta mais natural à sociedade do que os sorrisos que pomos, filtros que antecedem os filtros com que ainda vamos maquilhar mais a realid

Caos reflectido [666]

2ª Cena do Acto II: Ao espelho Voz de fora do palco : Esta cena passa-se em simultâneo com a primeira deste acto. O que segue é o mais temível acto que tenho a fazer para com a minha própria vida. Fazê-lo deixa-me de coração na garganta, quando o meu desejo é ter o coração na mão. O que se segue é a pior das catástrofes que podemos esperar nós mesmos. Vá lá que não é a vós que vos acontece. O que segue procede da magnífica frase do Dr. Samuel Johnson: "He who makes a beast out of himself gets rid of the pain of being a man" . Mas o mais pérfido da peripécia que segue é facto de ser a única chave para o sucesso. E não é nenhuma maldição, mas uma segunda chance de viver que lanço. (o palco gira 180º. o espelho e o protagonista trocam de lugar, mas o público mantém-se no mesmo, mantendo a perspectiva que tinha mas agora acerca de uma nova ordem das coisas que vê. o protagonista tem agora o cabelo branco e os olhos dourados: é o reflexo que dantes via. ) Olha para isto, não

O reflexo do rei

3ª Cena do Acto I: No país das histórias que ficaram por contar Então, a história de Pandora foi outra das que ficou por contar: a sua caixa nunca foi aberta. Se assim é, então que males continuam a atazanar o mundo real, pergunto-me. E o que é que está dentro deste cubo Rubrik? Prontamente, peguei na caixa e embarquei no primeiro zepelim para fora daqui. (a cortina vermelha fecha-se e volta a ver-se o título indentado Caso Caos.) 1ª Cena do Acto II: Ao espelho Quando a cortina se reabre o público pode apenas ver o protagonista em frente a um espelho. O palco é o topo de um cilindro decorado como o vitral de uma igreja, sem luz que o trespasse e ilumine. O espelho, do tamanho do protagonista, está pendurado por fios, é circular e não é decorado: uma folha de papel que se levanta e reflecte. A voz do narrador e do protagonista confundem-se a partir daqui. Reflectir é característico das superfícies em cuja incidência da luz permite uma duplicação do que se coloca em frente.

A palavra de Pandora

2ª Cena do Acto I: No país das histórias que ficaram por contar. Dediquei maior atenção ao último parágrafo da nota do Dr. Jekyll, que levava na mão: "Passou uma semana, termino esta nota sob influência do velho soro. Esta é a última vez que Henry Jekyll pode pensar os seus pensamentos ou ver a sua cara, ainda que alterada, ao espelho. Não devo demorar-me muito mais, se a minha narrativa escapou à destruição, foi por combinação de grande prudência e sorte em igual medida.", Henry Jekyll Eu : Se a narrativa do Dr. escapou à destruição foi porque a decidiu pausar. Num país destes, a história teria ficado em pausa a partir do momento em que Jekyll aqui entrasse, nunca teria sido completamente Hyde. Seja como for, este é o laboratório, e se a investigação aprofundada não leva a lado nenhum, talvez devamos sair daqui. E como seria encontrar um artefacto como este soro? Coisa de lendas, aquela flor com que Coleridge sonhou e que quando despertou a encontrou na almo

Estranho Caso

1ª Cena do Acto I: No país das histórias que ficaram por contar. "Na unidade original da primeira coisa Encontra-se a secundária causa de todas as coisas Com o germe da sua inevitável aniquilação." — Edgar Allan Poe Não existe pior tormento para um autor do que uma história que ficou por contar. Talvez não seja a forma correcta de o pôr: não há nada pior do que uma história que ficou por contar . Esta é a história de um estranho caso que ficou por resolver, talvez até tenha ficado por descobrir uma via para a sua solução. O melhor seria que a solução não fosse a dissolução na torrente de histórias que cada vida é. No meio das ruínas do que parecia ser um laboratório abandonado, mas não sem antes ter sido vandalizado, descobri uma pasta de cabedal negro. De cada lado da caixa podiam ler-se inscritas algumas palavras, uma espécie de código: "JE/KILL" de um lado e "JE/HIDE" do outro. Claro que é de estranhar este aparente bilingue, o francês

Patético

Prelúdio O público movimenta-se em volta de uma cortina vermelha com o título bem indentado: O caso caos. Podia ouvir-se os murmúrios, finalmente haveria uma explicação, finalmente saber-se-ia o que aconteceu, finalmente... Como se ver aquela cortina levantar-se e, meia hora depois, fechar-se fosse finalizar o que quer que fosse. Como se pontos finais saltassem da pontuação para a vivência. Como se a arte pudesse explicar a vida. E o que é que veio primeiro? A vida ou a arte? Nota-se uma mudança no tom do narrador. O que vai aqui ser contado pode parecer justificar acções, mas qualquer semelhança ou sentimento de alívio que possa suscitar é um fortuito meramente surgido do acaso das correspondências. É que por vezes, as pessoas na vida têm o mesmo número de membros que as pessoas da ficção. Mas as pessoas da ficção não fazem tantos acrescentos à ficção como as pessoas da vida. O público acalma-se, senta-se, continua a falar entre si, continua sempre a falar, receio até que cause di

O Cofre do Homem Morto

Cruéis frios ventos do mar Que te levaram de mim, Será que vais voltar Se ouvires a minha voz Cantar com as marés O meu amor que nunca morre? Pelas ondas e no azul profundo Vou ancorar o meu coração por ti Dez longos anos, a minha maldição Cantar com as marés O meu amor que nunca morre. Anda, meu amor, sê um com o mar Governa comigo a eternidade das ondas Afogar outros sonhos, sem piedade, Deixa as suas almas para mim Cantar com as marés O amor que nunca morre. Deita a canção que cantaste há tanto E onde quer que a tempestade te levar Vais encontrar a chave para o cofre Nunca separar, nem terminar Cantar com as marés O amor que nunca morre. Selvagem e violento, o ímpeto Que não vai ser contido Nunca agrilhoado ou aprisionado As ruínas que tu custas, As feridas que não saram, O meu amor que nunca morre. Cruéis frios ventos do mar Que te levaram de mim, Será que vais voltar Se ouvires a minha voz Cantar com as marés O meu amor que nunca morre?

Rei Pirata

"A história humana é um evento imperceptível, de um ponto de vista cósmico." — Naufrágio com Espectador , Hans Blumenberg Não houve açoite divino que me tocasse o rancor Flutuei no meu batel como bem me deu na gana Se sofri, não foi por mérito, mas por acaso. É que o meu barquito cortou o oceano em tantos... Que gerou, dos cortes, novos tsunamis, Tantos pobres iates a virar e a tombar o caviar. Aldeias que pilhei e vilas que laminei, Lâminas de água em pescoços só molham, Mas quebraram-se na ânsia do impacto. Não esperaram. Ansiaram. Guilhotinaram-se. Vagueio por águas equilibradas, No que sei e sinto que há, No caminho que se abre para ser seguido. Mas os cortes continuam a fazer caravelas tombar E que lindas velas bordô que aquele ali tinha E que grandes balas de canhão seguem em minha direcção. É o medo do escuro. O medo da bandeira pirata, Que não diz mais que separação, ruptura com o original. Nenhum dos meus marujos é normal, é um barco/circ

Outra promessa numa carta

No meio da podridão, da discórdia e da espiral da demência, recebes outra carta do futuro. O horror é reparar na caligrafia não só familiar, mas tua. "No dia da tua queima das fitas liguei para te dar os parabéns, mas não atendeste. Foi inesperado. Queria saber o que se seguia, para confirmar que não tinhas perspectivas do que ias fazer. Para ser honesto, lembro-me daquela dúvida. Era difícil sair daquela cidade e deixá-la para trás. Era um fardo a cidade ser de tal modo património que os pecados ficaram esculpidos a granito na memória, prestes a accionar sempre que recordas as paredes contra as quais beijaste. Daqui a pouco vais escrever a tua história a pegadas no mundo. Naquela altura, e acima de tudo, queria dar-te um conselho: a casa não é um sítio, mas as pessoas que lá estão. Daqui a pouco, eles vão sempre estar lá.  Hoje, fico feliz por não te ter dado esse conselho, por não ter arruinado a surpreendente ruína. Por nunca teres estado preparado e ainda assim, continuament

parkour

O génio só tem lugar no que tem de pragmático, não no que tem de ético. Uma vez que os grandes desenvolvimentos levados a cabo por um génio dependem do pensamento desviante (do inesperado, em função de dar um grande salto em direcção ao futuro), os seus comportamentos não devem ser punidos por terem sido, se não a causa, um acidente no percurso ao desenvolvimento. Não é função do génio pedir que lhe sigam os comportamentos, mas que lhe admirem a forma como devolve arte ou técnica (no modo como as enaltece) do vocábulo primeval e polissémico technè . Estes desenvolvimentos não são políticos, são estéticos ou tecnológicos, fazem a sociedade progredir sem ligar a quem dela faz parte. É, portanto, inútil associar a vida do génio ao papel de um modelo social, pois a sua única utilidade tem a ver com a sua finalidade, é o que o génio tem de prático. A sua vida foi um percurso em torno do desenvolvimento. Acabar, não com o culto do indivíduo, mas da própria ideia de indivíduo, é esperar que

228 sobre 1 Dias; Ou 17, ou 18

228 sobre 1 Dias A luz refracta pelos vidros dos edifícios Estes fios não podem mentir acerca do que levantam Mas porque é que eu existo aqui? E como é que alcancei e senti felicidade? Deixei o meu coração entrelaçado na esperança Mais um agora, mais disto. Aperta-o até que quebre Mais uma vez, mais e mais apertado. Isso. A dor do que passa para detrás da íris cresce A preocupação, a vacância, a evitância E se me magoar? E se ultrapassar a ansiedade? Todos os dias recebo cartas do futuro Mais um agora, mais disto. Enfrento o presente decidido Cada vez mais e cada vez mais decidido. Essa luz que os teus olhos vêem invadir o dia As desculpas e os remorsos que fazem sentir pressão Aquela mesma luz que se espalha sobre as nuvens Os dias que se repetem e repetem e vão repetir O céu pálido. Ou 17, ou 18 Troca ansiedade por esperança e nunca vais perder para o tempo. Corre em direcção aos caminhos excluídos do mapa Às coisas que temes, que pensas que não existem;

Voa (Sonho)

Pintei nas asas as memórias em que te abraço, são asas fracas, mas de certeza que posso voar neste meu declínio, ó meu amor. Quem me dera ser uma águia feliz ao vento em direcção ao que o coração faz desabrochar, queimar as fotos das futilidades, manter a paisagem. Só há tempo para brincar no xadrez da vida. Perguntam se asas de cera tocam no céu, perguntam se elas podem tocar o amanhã, mas não há plano de sucesso para o espontâneo. Voltar ao nada depois de sonhar o infinito faz parecer que as ligações se enfraquecem, no entanto, estas asas resistem, ainda são fracas, mas de certeza que posso voar neste decair, ó meu amor. Num mundo vazio assombrado por um sonho que não tem fim, parece que perdemos o que mais desejamos, mas fica tu, mesmo sob estas asas duvidosas, fica junto das memórias que não podes perder, da certeza de que podemos voar neste nosso ocaso, ó meu amor. Engolidos do sonho pelo mundo miserável, talvez nadar à rebours não seja mau de todo, mesmo com asas tolas, de

Acerca de masmorras e Dragões

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Confesso que a vida é maravilhosa. Que no meio da jornada até este meio termo entre o que foi e o que está para ser, conheci um dragão ou outro. Aqui, no meio do nada, não há grande competição, soltam-se umas fagulhas e sopra-se pelo nariz, deve bastar para afastar a areia dos pés. Nas cidades, com grandes tuxedos , porém, aí sim, se sopra fogo, e como eu adoro fogo de artifício. A fúria de viver deixa os olhos reluzir ouro, a garganta a expelir fumo, faz o espectáculo de devastar as aldeias dos pequenos que são tão pequenos quanto querem ser. Os dragões não têm medo de arruinar o seu caminho até ao topo da montanha — they fuck up their way up to the top . O absinto acende e os finos fios de diamantes na mesa da cozinha entusiasmam. O que é que havemos de cozinhar hoje para esse povo, sedento por que se verta um pouco do caldeirão? Atirem-se-lhe os restos, apanhamos por eles umas quantas canas de foguetes que nos falharam o centro da testa, limpa-se a lágrima ao canto do olho a um

Ó Fortuna,

qual lua, muda, cresce, diminui; A detestável vida, que oprime e apazigua, levada pela fantasia faz a pobreza e o poder derreter como gelo. O destino monstruoso e vazio, O destino monstruoso e vazio, essa roda que roda é perversa, a saúde é vaidade desaparece para o nada escurecida coberta também me é praga; Agora, por via do jogo trago as costas nuas à tua perfídia. O destino confronta-me em saúde e virtude levado avante vergado pelo peso sempre escravizado. A estas horas sem demora toca as cordas que vibram mas o Destino arruina as cordas e toda a gente chora comigo. "noli manere, manere, in memoriam"

A Escolha

— tradução livre de "The Choice" de John Pomfret Se o céu não me dá a graça da liberdade de escolha pelo meu próprio método de viver mas, por outro lado, oferece tantas outras horas sem objectivo ou finalidade, então prefiro perder-me em beata calma e gastar a minha satisfação. Quando se nasce numa terra pequena, nasce-se construído para o uniforme: não é nem para o pequeno, nem para o grandioso, pelo que mais vale ficar no lugar que nos é reservado, com campos de um lado e árvores a fazer de vizinhos, coisas que não contêm por dentro outras coisas (perfeições da autenticidade), mas são úteis, necessárias e planas. Por contraste, é nauseante aguentar a infinda pompa de alegres mobiliários. Eu só quero um pequeno jardim, que me deixe o olhar grato, com um frio riachito a correr, a murmurar. É ao lado dessas deliciosas margens (um quadro de linha imponente) que se levantam as sombrias limas (nevermore, nevermore) ou descem as lágrimas de folha dos chorões. No fim, o estúdio,

L'Impeto Oscuro

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A distância da queda de um sonho é demasiado curta. Os mundos são demasiado pequenos para colidirem quais átomos. E é de novo e sem pesar que se me gelam as veias pelos defuntos. O resultado é um magnífico fogo de artifício, mas o que salta é carne solta, excruciada. Cometendo apenas um pecado capital. Recentemente sinto que faço o tempo submeter-se à superbia . A vontade, a vontade, poupem-me a vontade, desbastem as cabeças, guilhotinem as próprias pernas, caminhar nunca foi vontade. É que de boas intenções está o inferno cheio, mas aqui, onde a terra e o inferno se indistinguem, essa facécia revela a sua ineficácia. É natural que se afoguem os peixes que não sabem nadar. Recentemente sinto que o tempo se submete à superbia . O mal-estar, o tóxico mal-estar, a infecção odorosa de uma sala de espera hospitalar, a constante dor que não dói do osso que não temos, a planta que tenta viçar rasga o talo a si mesma por assim desejar. E é tão raro ver-se florir rosas no inverno, quanto ma

Libra

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O sol põe-se sobre o nada de novo; a lua traz uma cara nova para lhe sorrir. À medida que um cai, noutro sítio, só as copas anunciam a alteração para um clima mais frio. O resto fica com esta escura estampa do verde. Não no meio do deserto. Parece que esta área não foi seleccionada pela valsa cósmica do vento sobre os corpos celestes: a noite é clara. É impressionante como o céu do deserto tem esta limpidez cristalina que as florestas obscuras em que já dormi nunca vão ter. É surpreendente como a musa se imiscui nas inusitadas inóspitas incoerências do destino. Que padrão tem o belo para se falar de coerência, para além do bailado entre a lua e o sol num cenário estrelado? A lua com a sua inconsistência facial e o sol no seu permanente movimento de nada de novo. E ainda assim é o nada de novo que atrai por debaixo deste cobertor que joguei à estátua que esculpi do mundo: o azar. Apesar da sagrada lua, na inconstância das suas caras, ser quem melhor representa o azar, a lacuna de

Chama a flutuar

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Não há nada de novo debaixo do sol; mas há ficar-se debaixo do sol num dia de folga. Por muito que aqui um dia livre não o pareça por não se poder partilhar. Ficar debaixo do sol fez-me cheirar o passado: houve um dia de Março, talvez o primeiro dia da Primavera que foi realmente solarengo; tinha voltado da escola para almoçar e o tempo para voltar para a escola era cada vez menos. Mas deitei-me ao lado da piscina, não valia nada mais a pena do que estar ali debaixo do sol. E agora abrem-se os olhos para o por do sol no presente. As nuvens não podem ser pintadas, não há tantas cores na palete como as que estou a ver. Há uma chama a flutuar no canto entre o horizonte e a janela em primeiro plano. Flutua num movimento descendente e as nuvens reflectem o brilho da chama — a distância faz aumentar o contraste deste grande ovo estrelado azul e branco no céu. Há momentos em que a música quer acabar e eu não o posso permitir; que crueldade! E a hipnose dela? Não é por sua vez cruel? Leva-me

Pó Negro

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O acaso impera sobre o destino como a marioneta que dança sob os nós que ataram só para o vosso entretenimento. A musculatura e a madeira que une a sua construção flutuam com a música que se ouve sem acompanhar qualquer vontade maior. Não há maior generalização do que procurar corresponder a forma de comunicação da dança à geometria. O fluir do vento influi sobre os movimentos dos corpos; pode abismar as almas mais religiosas, como o pensamento de que o bater das asas de uma borboleta tem resultado na acumulação de tráfico rodoviário às portas de uma cidade. As peças caem como calha nos seus lugares, como o céu escuro recorta sombras no horizonte à noite. Parece ver-se o peso do manto do céu sobre a terra e a aproximação do sol distingue as silhuetas, levanta o mesmo peso. O que se recorta à luz do dia é tão literal quanto a palavra que se vê. As sombras do passado que descansam desprovidas de coração actuam barbaramente, conversam com a indelicadeza com que se pisa uma flor. Já os q