Chama a flutuar

Não há nada de novo debaixo do sol; mas há ficar-se debaixo do sol num dia de folga. Por muito que aqui um dia livre não o pareça por não se poder partilhar. Ficar debaixo do sol fez-me cheirar o passado: houve um dia de Março, talvez o primeiro dia da Primavera que foi realmente solarengo; tinha voltado da escola para almoçar e o tempo para voltar para a escola era cada vez menos. Mas deitei-me ao lado da piscina, não valia nada mais a pena do que estar ali debaixo do sol. E agora abrem-se os olhos para o por do sol no presente. As nuvens não podem ser pintadas, não há tantas cores na palete como as que estou a ver. Há uma chama a flutuar no canto entre o horizonte e a janela em primeiro plano. Flutua num movimento descendente e as nuvens reflectem o brilho da chama — a distância faz aumentar o contraste deste grande ovo estrelado azul e branco no céu.

Há momentos em que a música quer acabar e eu não o posso permitir; que crueldade! E a hipnose dela? Não é por sua vez cruel? Leva-me o coração a dançar por entre o que se vê. A música põe uma espécie de filtro sobre a imagem, mas nem a imagem é unicamente visível, nem a música é uma actriz totalmente transparente. Estes particulares violinos parecem carregar aquelas nuvens ali ao fundo. E a cidade escurece enquanto o céu resplandece aquela última vez, aquela última erupção solar que guincha antes do reencontro de amanhã de manhã.

E é o tempo, não a meteorologia per se, mas aquilo que transparece dessa sensação naquilo que se revela do mundo. E é o tempo de me tele-transportar para Junho, o que vai demorar algum tempo. Mas já passou tanto tempo que se parece que os tempos se comem a si mesmos; aquele pequeno rapaz despreocupado à beira da piscina, no ano lectivo em que começou a beber cafés antes das aulas da tarde, ia de seguida apanhar uma seca a ouvir falar de História.

Talvez não sejam as cores particulares de uma chama que me surpreendam, mas aperceber-me que a fórmula básica da cor (azul + amarelo = verde) está a modos que correcta, mas em sítios inusitados. Aquele cor-de-rosa do fim da tarde a que estou habituado tem ali uma tonalidade intermédia esmeralda. É difícil encontrá-la quando se desvia o olhar e há ainda outro contratempo, que é o ocaso. Ou olhas depressa e vez aquele — não, já não lá está. E há coisas maravilhosas na natureza que nunca vamos chegar a apreender se não olharmos a tempo certo. É como cair uma estrela, algumas pessoas são mentirosas.


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