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Clepsydra

E escutando o correr da água na clepsydra, Vagamente sorris, resignados e ateus, Cessai de cogitar, o abismo não sondeis. O exposto é o de escorrer o tempo por um prato furado. Gota a gota, esse grande ladrão engole cada momento cujos abraços não foram capazes de envolver. Desvela o nevoeiro destas ilhas por que passam os nossos barcos, para as recobrir prontamente, quando as águas são passadas. Segundo a segundo, gota a gota, conta-se na medida em que se o pode fazer. As luzes do farol da minha constante e recorrente decadência prendem-se com três ou quatro pressupostos que podem constituir-se ou não como pensamentos da ficção ou da própria realidade, nas fracturas que cada uma chicoteia à outra. Estas luzes, racionais, submersas, cobertas, obscuras, vêm de uma noção quebrada da realidade, como o vidro da janela ocular que é translúcido, ou quebrado noutros fragmentos do mesmo bloco de vidro. Uma primeira ideia é a da submersão. Submersos nas partículas de Hidrogénio [H] que nos

Pária

(Tradução de Waif de Henry Wadsworth Longfellow) O fim do dia e a escuridão descem das asas da Noite Como penas que flutuam da águia no seu voo. Vê as luzes da vila na chuva e no nevoeiro Chega-me a tristeza a que a alma não resiste; Tristeza e nostalgia, que não parecem dor, Apenas sofrimento, como o nevoeiro se parece à chuva. Lê-me um poema, uma disposição do coração, Que acalme o sentimento e castigue o pensamento. Não dos grandes mestres, nem dos sublimes bardos, Cujas pegadas ecoam nos corredores do Tempo. Pedaços da música marcial, grandes pensamentos sugerem Eterna fadiga e esforço da vida; esta noite procuro descanso. Lê-me um poeta humilde, de canções do coração Como a chuva no Verão, ou lágrimas das pálpebras; Nos dias de trabalho nas noites sem calma, Ouve-se música na alma, maravilhosas melodias. Canções que aquietam o indomável pulso do inquieto, Chegam como bênçãos, póstumas à reza. Lê-me do volume valioso o poema que quise

Destati Chaos

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acorda estende a mão chegou a hora, acorda as portas vão ser separadas acorda, acorda, acorda lembra-te, tu que tremes acorda, lembra-te acorda, acorda estende a mão acorda, acorda chegou a hora novamente as portas vão ser abertas lembra-te, tu que tremes acorda e lembra-te não o queres mas pertence-te o que perdeste tornar-se-á um só o caos que exorcizaste é um fragmento de sofrimento infantil. esse tipo de escuridão, leia-se: da falta de sinceridade que tens para contigo mesmo, não se expele pelo simples facto de querer. a purificação do corpo (do espírito ou do coração, se acreditares ou preferires) é tão menos complexo.  mas cala-te, já falaste durante demasiado tempo o demasiado pouco. pões em causa o que sou. no fundo não pensaste que ia ser assim tão fácil, pois não? a constante guerra com os meus instintos e o destino cala-te, ainda não é a tua vez, nem virá tão cedo. viste o que fizeste? viste o quanto tiveste de rezar para evitar que as lágrimas ca

Guzmánia

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no corredor do jardim das rosas, no meio dos arbustos húmidos, da noite em que tudo ficou  — se for aquela mesma. há sempre uma excepção para tudo uma luz que trila no eco das ondas do lago em que se desfaz o reflexo — de tudo o que lá se via. no meio das rosas há uma outra flor como tantas, mas esta mais, mesmo mais, mas muito mais — rubro ânimo dos meus ideais. que reluz sem florir destapa o fumo azul a luzir do reflexo ao lado do lago — em que tudo se esconde. as vermelhas cadeias de vapor do orgulho, o negro encher-se de si próprio, arrogante verdade — frágil e insustentável, treme.

Coleridge Blues

O relógio faz tic e os ossos que pisas tac . Os manuscritos que me deste a decorar escorrem lama porque os deixei cair à fonte, deliberadamente, para me poder ajoelhar no palco, dos momentos de abertura ao fecho das cortinas, e soltar a maré do improviso. Quando os quatro cantos do redemoinho desabam e a ilusão que estava entre o roxo e o negro, o histórico e o histérico, essa suspensão dissipa, atiro os braços à cama, sem hábito ou vício, fecho os olhos e, a rezar, componho uma carta ao amor. Digo-lhe para engolir o seu destino, pensamento e expressão. Fico a sós com o suplício. Penso em tudo: a acusação de bruxaria enquanto te ferram a fraqueza na alma. E eu fecho o punho e guardo a força eterna nas palavras, solto a sensatez romântica no pranto e permaneço na desventura. De novo, no palco, a gritar porque o inferno me saiu pela culatra: os monstros dançam e pontuam as celas. O ferro que se crava nas costas entende o aperto da vontade de poder. Arde a febre absoluta, o desej

o meu erro fatal interno

nas veias do mundo passam códigos esverdeados, líricos, vivos mas não poéticos. são os próprios compósitos e compositores do mundo: sinfonia e orquestrador, a batuta e a alma de cada órgão, por mais tropical que seja a sua distância. de facto, tudo isto é tudo. repetido. sequencial. transtornado. mutado. morto e matador, catado e caçador, deus e ateu. é o que nos junta os espíritos... ou melhor, reunem-nos na própria matéria ou na alma que a anima. não sei, não preciso de mais alucinações acerca destes pequenos trabalhadores. sei o pouco que sei. se os tentasse organizar alfabeticamente, iria encontrar variações do Z que fariam mais sentido no meio das acentuações do A. há um azul do sangue tão azul que nem o vermelho do mar é tão vermelho, ou algo do género. num piano, um réu pode estar por detrás de si, mas não em composição, em apresentação. o que importa é expor o feiticeiro de Oz, queimar a bruxa, trazer para o palco o que está nos bastidores. glamorizar os pequenos átomos que

o meu potencial hediondo

Duas macas, uma cortina e a luz de um trovão, remove-se à campa a estátua do epitáfio, que refere a vida como romance não publicado, os retalhos de um corpo incauterizado. Pulsões de corações anoréticos, emergem em direcção aos pulmões, mais O, menos H, e uns orgasmos mas nem todos são o teu funeral viking. A flecha voa da falésia, roça as rochas a cair, os alpinistas a subir gritam uma última vez, preferimos os nossos amigos verdes e com um sepulcro poder procriar. Desesperam os sedentos que imploram fel, descobrem uma pobre inepta obsessão, de ressalvar das fotografias os fotões da pele, como tampas de urnas que esperam a revolução. Regras? Quem falou em regras? Prática? Ética, estética, combustão frenética, fulgurações da telequinética em Ática, Tichè, trémula, acumula filhas, pare esquizofrénica.

A Fieira

Para arrancar rosas às faces de um pântano E cavalgar desalmadas ondas sob um céu senil De onde a lua nova virou a cara ao pranto Ao casino lodoso onde puxaste o gatilho, Atirei cartas ao ar, joguei-me de joelhos ao chão si il y a . Plantei rosas brancas no esquife calcário Nas negras dunas, lunetas para o teu desespero Duro deserto do desvelar do esconderijo. Descem pela cidade, pelos esgotos de tempero Monstros, vilões, ratos e tesões de mijo, si il y a . País de intempéries, ensinam os epitáfios a amar: Se a fieira oscila entre copas e ouros, Sentir não é mais que uma sujeição Ao vago e oco lamaçal do acaso singular. Estilhaços das ruínas de um sonho, o nosso ocaso si il y a .

rant #abismo

há um abismo por que todos passamos. que nos precede, procede e sucede. o da escolha, e a única saída é o salto para a queda livre. posso achar que ninguém sabe o que é sentir a força que puxa, chegar à berma e pensar que todos os outros tiveram a oportunidade de ser puxados para trás ou tiveram a capacidade pessoal de virar as costas e evitar a tragédia clássica (cujo único movimento nunca deixou de ser a queda). quando vejo, aos outros é separado o destino do salto antes do consumo: eu fui consumido e tenho de viver neste meu próprio frasco vazio. estou exausto do vidro, da pureza da transparência que tantos julgam como luminosa ou mesmo iridescente. e que onírico que isso é. por muito que eu queira ceder ao abismo, eu não o faço, eu deixo-me transparecer a mim mesmo. deixo o vazio interior sair pela visão e não o mascaro mais. para quê, se a queda é o único movimento natural? se a gravidade é uma força que puxa mais do que o físico, é um vector natural, sem projecção ou alusão cultu

rant #ferida

tu és o olho do furacão que tens dentro. que nunca viste de tal maneira cá fora. que cresce para que as fronteiras do contentor sintam as suas medidas de contenção questionadas. sempre a querer sair, sempre a encostar-se à berma do interior. uma balada sem leitmotif, um constante crescendo na sonata à maldade: o ocaso de tudo o que é bom e luminoso. tu tens em frente a luz ao fundo no tunel, mas à volta o negrume da fúria. "tens o diabo no corpo e a voz da razão". e a nostalgia dos negócios em que o mal compensou. eles têm razões para dizer que uma vez a nadar no negrume basta para viver para sempre afogado em petróleo. e as primeiras reacções são óbvias: cravar-lhes a mão no peito e apertar o coração, ver a luz escapar dos olhos, como tantos antes perderam a esperança às minhas mãos. mas nunca o faço. nunca reajo bruscamente. por qualquer viés do destino que me diz que pode haver esperança na terra devastada pelo caminho da luz. sei bem que a justiça é um compêndio de medida

rant #carnivalle

(a um concerto de Fato/Feto no meio do que para mim é um purgatório) há uma tendência, uma estranha tendência e ó que tendência de negar a vida enquanto nela, é necessário, é mais vívido e radical negá-la que tomá-la. e que culpa temos nós que em nós os químicos tenham um efeito colateral? acordar na vida depois da ficção deixa a desejar, acordar de um sonho deixa nostalgia do si mesmo, dos poderes da imaginação anterior, primal, animal. tomei um comprimido cartesiano, queria dormir e queria partir... "e a cama estava a arder". dei-me no circo, de trapézio facial pintado, o pó de arroz fugia nas correntes de suor projectadas pelo calor das luzes. as luzes cegam-me. tapar a cara não é abrigo suficiente na multidão de zombies que não queres que te vejam. "fui parar à zona norte da cidade". as estrelas para que olhava eram mais luzes, mais naturais agora que dissipadas no meio do cérebro, que já não são os olhos que vêem mas a mente que projecta. as estrelas eram as

A Espiral da Morte

O taberneiro trouxe-me para uma piscina que se abria no casino para todo um rio subterrâneo maior. Este rio é o Acaso e tem saída para quatro afluentes: o Olvido, a Falência, a Vitória e a Regeneração. Estas quatro saídas (ou re-entradas) são sorteadas, mas tendem a acertar afincada e duramente nos réus do juízo. No entanto, neste nosso ocaso, sublinhar que algo mudou é tautológico. São águas que te levam em direcção ao pós-vida, mas ao contrário de te aperceberes pela passagem das águas que algo mudou, não são as águas que passam por ti, mas sim tu por elas. O único julgamento final, como disse, é deixado ao acaso. E o acaso é produto de uma ocasião em que o movimento de cadência leva à queda dos peões no jogo. Na vida movemo-nos num gigante tabuleiro de xadrez, onde, para os deuses, só existem peões de vidro translúcido. É na vida de cada um que se decoram reis e pintam tabuleiros e peões de torres, cavalos, bispos ou rainhas. Neste nosso ocaso não existe a linearidade do jogo de x

Fortuna (ou Acerca de três Monólitos)

De conversa com o taberneiro. Na morte quem nos fala é a sorte. Para definir o que acontece nesta morte vou utilizar o vocabulário da sorte, pois a ela se deixa tudo. A morte, a que conhecemos de olhos fechados, corresponde a um mundo de possibilidades, ao negrume que podia enclausurar uma forma branca, num desenho ou numa escrita, mas num mundo onde só existe negro, sem formas que se pretendam. O post-mortem  de uma alma, que é julgado pelo acaso, não deixa de ter uma coacção purgatorial: a das causas da morte. Neste nosso ocaso, cada alma tem um ponto de partida, um receptáculo pelo qual chega. E o problema é a chegada em si. Uma vez cá, começam vários jogos, alguns naturais como a demanda do porquê da morte, outros mais aleatórios, na demanda do quê de ser. Em primeiro lugar, cada alma que aqui chega, chega no momento em que o corpo reconhece que ficará em repouso naquele lugar por tempo indeterminado, seja esse lugar um caixão debaixo da terra, entre as pedras e as algas no mei

Roleta Russa (ou Acerca de um Epitáfio)

Que diabos faz aqui um dólmen? Ao dizê-lo, não fazia ideia da pertinência da questão. Rapidamente, das sombras emergiu o deus dos mortos, um jogador generoso, como Charles Baudelaire o descreveu, noutros tempos que já eram estes tempos. Foi nesse bar que bebi inspiração para fazer tudo isto por ti, ora repara bem no sítio para onde o levou, e neste sítio para onde te trouxe: Reinava uma delicada e perturbadora atmosfera que num instante fazia esquecer todos os horrores aborrecidos da vida; respirava-se uma sombria beatitude, similar à que os comedores de lótus deveriam sentir quando desembarcavam em ilhas encantadas, iluminadas por clarões de tardes eternas, que neles faziam nascer, aos sons adormecedores de melodiosas cascatas, o desejo de nunca mais rever os seus lares, as suas mulheres, os seus filhos e de nunca mais tornar a subir às altas ondas do mar. - Charles Baudelaire, "O Jogador Generoso" Chegou o taberneiro, dividiu copos e assim falou: aqui em baixo fazemos

Da Cadência (ou Acerca de um Dólmen)

O exercício mais difícil para um bailarino deverá ser o de saltar para uma determinada posição, de modo a que nem um segundo decorra até atingir essa posição, antes nela se fixe durante o próprio salto. Não haverá bailarino que porventura o consiga executar - mas aquele cavaleiro executa-o. A maior parte dos homens vive perdida em preocupações e alegrias mundanas; são os que ficam sem par e não entram na dança. Os cavaleiros da infinitude são bailarinos e têm elevação. Executam o movimento ascendente e descem de novo, e nada disto resulta também numa perda de tempo funesta ou desagra­dável à vista. Mas de cada vez que descem não conseguem atingir imediatamente a posição, vacilam um instante, e essa vacilação mos­tra todavia que são estranhos neste mundo. Essa vacilação é mais ou menos evidente de acordo com a sua arte, mas nem mesmo o mais dotado desses cavaleiros consegue escondê‐la. Nem chega a ser necessário vê‐los no ar, basta apenas vê‐los no instante em que tocam e voltam a toc

Ironia do Desastre

Requer-se um servente no corredor do snooker . Não há nada pior num casino. As máquinas funcionam. As cartas são atiradas ao ar bruscamente. Há uma briga perto das setas. Tudo bem. Mas isto? Apontava irritadamente para uma flor que surgia do veludo vermelho do tapete. É imperdoável. Em todo este Hades há falta do cheiro a desespero. No acaso não há esperanças. Ou só há esperanças. Seja como for, no acaso tudo é visceral, é primeiro e último, derradeiro. Neste nosso ocaso, o único julgamento possível é o do acaso. O único justo. Uma bola de snooker rola pelo chão, pega nela e arremessa-a à cabeça do jogador. Sabem o que é que não se permite neste nosso ocaso? Num bar de tanto renome como de cadência? Esperança simbólica. Não se permite nem uma lasca de esperança para além da do acaso. Nada frui, tudo decai. O servente chega e prontamente arranca a flor. Assim que o faz, desfaz-se em cinzas... porque assim quis... e chegou outro que limpou a nova sujeira. Os relógios não fazem um

O Nosso Ocaso

Eu desisti antes de nascer. - Samuel Beckett O amo não dizia nada e Jacques dizia que o seu capitão dizia que tudo o que nos acontece de bem e de mal cá em baixo está escrito lá em cima.  - Denis Diderot Para desenlear certos nós da mente, vamos simplificar até ao ponto mais simples: estamos a dançar, fantasiamos pares de cornos, metemo-los sobre nossas cabeças. E dançamos até os olhos ficarem negros. Diamantes de Sangue, para que fiques a saber, na pista de dança. Definir não é fechar (de-finir: dar fim), mas abrir: o knock knock do baixo que vibra nestas paredes. Poético é o conceito que precisamos de enclausurar. Vamos pela comunicação: se o silêncio corresponde perfeitamente à vagueza das almas, se a forma corresponde ao conteúdo, a mensagem passa clara, desterrada de entropia. As luzes rolam e as plantas dos nossos pés estão em perfeita osmose com o sabor das ondas de som. Se não há regras para a vida, há que conhecer os seus potenciais e limitações. Daqui um autor pode

Valdrada

Inadvertidamente terá Ítalo Calvino visitado o submundo sem disso se aperceber, quando n' As Cidades Invisíveis descreve Valdrada. Física e mecanicamente, Valdrada coage com os valores e as decisões tomadas para com as almas que ficam cá, presas ao mundano, com afazeres inacabados: Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio reflectido no espelho. As duas cidades gémeas não são iguais, porque nada do que acontece em Valdrada é simétrico: para cada face ou gesto, há uma face ou gesto correspondente invertido ponto por ponto no espelho. As duas Valdradas vivem uma para a outra, olhando-se nos olhos continuamente, mas sem se amar. Se já só o facto da ida nos retém trémulos para duvidar da própria essência e moral da vida... que seria se as cidades da morte se amassem? E note-se o puxão para a cultura viking com o prefixo Val- semblante do seu espécimen de pós-vida, Valhalla. Os credos passaram o t

Uma e Três Cadeiras

onde os dejá vus se bifurcam em possível e plausível ou trifurcam na guilhotina do impossível nada do que parece estável está em permutação o x é o caminho para o y ou para o sol e a lua trocar os binómios por monómios na equação de coordenadas geográficas para outros mundos onde estamos face ao centro último? tive uma ideia há já uns tempos bons tempos...

diamantes

eles brilham como as estrelas à luz da metanfetamina eles partilham as coroas dispersos pela Via Láctea eles seduzem os castigos no Hades tornam La Vie en Florida eles brilham sempre polidos e dissipam os vapores da perspectiva da vertigem eles partilham contigo toda a sua fortuna eles são nuvens tristes de janela aberta eles curam os demónios que vingam na solidão eles degolam os gigantes que se erguem do abismo constelações europeias que te levaram um pulmão

13. Lobos

as nuvens dos cigarros pintam sinfonias. perdes o fio à meada a fugir ao minotauro. danças, no meandro um entretanto, um passatempo, apenas um pranto. não és. não estás. transtornado que nem um meteoro no leito da cratera. perdido, lá em baixo, num bunker , as velas, as armas, mais ninguém.  perdidos e achados, às portas do purgatório. chega a altura do último shot. um último jogo de disputas com a sorte da vida. e todos os vultos de todos os olhos conhecidos, velhos amigos, presenças ausentes, e os seus perfumes... todos se debruçam ao teu abismo. se eles soubessem no que te tornaste. no quanto uivaste, no quanto berraste e não perdoaste. és selvagem para amar. se ela soubesse a besta em que te fizeste. és demasiado selvagem para o amor. escuta um poema que li no outro dia: este presépio é decorado a corais, conchas e abstractismos do fundo do oceano. a nova ambiência do bode expiatório. umas raias por entre ondas, umas lampreias que chocam o olhar. e tu sabes que é natal, mas c

Clareza

Vive o presente, lança-te a cada onda, encontra a tua eternidade em cada momento. — Henry David Thoreau  madruguei tarde demais. exclamei aturdido, com Arquimedes e Poe, "EUREKA!", que os princípios estão nos fins, e os versas nos vices. descobri tarde demais, ainda coberto de lençóis. levantei voo rumo ao dia, em direcção ao sol. no banho, a água transborda, no corpo, os pecados e a ebriedade não. as feridas estancam o sangue que ejacula. amanheceu no bico de uma águia, de onde fui fertilizante de crias. menos um casulo para as metamorfoses de Ovídio. menos um verme que podia ser borboleta. vai ser uma águia. quando o sol segue a meio, o dia e a tarde confundem-se e o livro diz-te: Não limpes os anjos que os anjos ainda não se começaram a sujar. - Gonçalo M. Tavares os pássaros apenas seguem o sol e o sul. jogam-se ao mar, por peixes para comer e sal para cicatrizar. nunca vai ser cedo o suficiente. prometem corpos lindos mas nenhuma ave tem o corpo limpo. pouco se pod

Teorema

Não se aprende. É um engodo. Outro inverno no coração, Onde as famílias ostentam o perdão Ao longe a paz do dia, Na luz que percebemos E separamos O erro é o Eu A desaparecer na neblina Comunga do elitismo Degraus de distância fina Complexo descomunal, Intelectual, idiótico Sem coroa nem cruz, Fiz das alturas o castelo Tijolos de sonhos Medos em fumos Subir é prometer o julgamento Acreditar para duvidar Duvidar para terminar Terminar sem deixar sobrar Não cometas os mesmos erros A mudança não é a promessa; É a constância

Burnt Norton III

Num lugar de desafecto Tempo antes e tempo depois Numa frágil luz: que não é a do dia Dão lucidez única à forma Tornam sombra em beleza transigente Na pequena rotação que sugerem permanente Nem a escuridão salva a alma Esvaziam a revogação ao sensual Limpam o afecto ao temporal. Nem plenitude, nem vacância. Só a cinza Sobre caras esticadas que o tempo livrou Distraídas da distração pela distração Cheias de fantasia, plenas de significação Dura apatia sem concentração Nós e os nossos pedaços de papel, lançados ao vento Que sopra antes e depois do tempo, Dentro e fora dos doentes pulmões Tempo antes e tempo depois. Erupção de almas miasmadas Para o ar que torpe desvanece, Lança ao vento os montes de Londres, Hampstead e Clerkenwell, Campden e Putney, Highgate, Primrose e Ludgate. Nem aqui. Nem aqui a escuridão, no mundo do chilrear             Vai baixar e apenas baixar Para o mundo da solidão perpétua, Da escuridão interna e privação, À propriedade destituiçã

Numa Fala

- à falta de conversa - as viagens de metro são catárticas - o que é que queres dizer? - que fazem pensar - porque é que complicas? - os outros caminhos, para onde é que vão dar? e as portas? - e para que é que queres saber? - curiosidade - que matou - o gato - megalomania - ou conhecimento - de que te serve? - e porque não? - qual é a finalidade? - o meio é que revela o fim, já que os princípios são imperscrutáveis - lá estás tu outra vez - apenas coragem para ser eu mesmo, quando sou outro a ser eu - actor

escrito

não ensinaram o pobre cão a ladrar. teve sozinho que lamber os cacos da tijela de sopa partida no chão. deixou o corpo ao lado. saiu a abanar a cauda quando sentiu fome. sirva para sinalizar que o pouco que resta é apatia. e provavelmente uma pata partida após um acidente qualquer, dirá a vida. o tempo tem tanto potencial. é preciso demonizar o autor. aquilo que de mais poético a vida pode oferecer é a aleatoriedade. um determinado indeterminado indeterminável. a sacrílega união da caneta com o papel divide e conquista. destrinça um final do sortilégio-maralhal do que, na sua simultaneidade, é impossível. a este único fio sinuoso, aplica-lhe uma demão de coerência, et voi lá. tudo o que era possível, desaconteceu. ele apenas ilude as suas criações com a promessa do livre-arbítrio. surge-lhes a vida ilusória no sopro das letras do outro lado. mas as suas mãos estão dementes a tentar alcançar a predicação. reuna-se de novo a vida, na lógica ilógica da co-miseração, finge só mais um b