rant #abismo

há um abismo por que todos passamos. que nos precede, procede e sucede. o da escolha, e a única saída é o salto para a queda livre. posso achar que ninguém sabe o que é sentir a força que puxa, chegar à berma e pensar que todos os outros tiveram a oportunidade de ser puxados para trás ou tiveram a capacidade pessoal de virar as costas e evitar a tragédia clássica (cujo único movimento nunca deixou de ser a queda). quando vejo, aos outros é separado o destino do salto antes do consumo: eu fui consumido e tenho de viver neste meu próprio frasco vazio. estou exausto do vidro, da pureza da transparência que tantos julgam como luminosa ou mesmo iridescente. e que onírico que isso é. por muito que eu queira ceder ao abismo, eu não o faço, eu deixo-me transparecer a mim mesmo. deixo o vazio interior sair pela visão e não o mascaro mais. para quê, se a queda é o único movimento natural? se a gravidade é uma força que puxa mais do que o físico, é um vector natural, sem projecção ou alusão cultural própria? eu prometo que estou a praticar o bem (para quê isto, agora?), mesmo ironicamente, e tenho nojo de cada segundo em que o faço. é complicado saber que é o correcto, que existe um correcto e que há uma possibilidade de definir (dar fim) ou determinar (dar termo) ao que quer que seja, é tirar a magia ao mundo. eu sei que é o correcto, mas só me trouxe perda, fastídio, exaustão e desconcerto à balança. mas ao mesmo tempo sei que o caos não pode voltar, porque sei que sou o que sou e fiz o que fiz e que escolhi o que sou e o que fiz e não perdoei para preferir vingar. são as raízes do negrume que faz de sangue, do medo de enfrentar um espelho, de viver como um retrato cuja verdadeira essência está putrefacta, decrépita, nojenta. essas espadas de Damocles vão sempre flutuar sobre o meu pescoço. não há redenção, apenas um purgatório de jogos sem fim (intermináveis, indetermináveis, sem finalidade). agora sou eu que estou amaldiçoado por saber que existe uma distinção (prefiro dizer que as coisas se separam em massas) e por ter de viver com ela. viver com o caos e as suas consequências tão bem merecidas. não acreditava em destino se não tivesse um (a queda). não acreditava em destino se não estivesse preso (na queda livre).

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