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A mostrar mensagens de outubro, 2022

Na vitrine do ápice da rosa

De entre as esculturas da glacial galeria Era a rosa a mais rútila, mais vívida — mais que as legendas, mais que o guia! De cada pétala, no fio laminal, Corria orvalho que não era orvalho — O cronómetro do que é de gelo Ao prazer e ermo de cada Troca do dígito no ecrã E o coração, sempre a sofrê-lo — Cada gota: do tempo um retalho. Descongela. Ao calor. Desconsola. Retém-se a rosa gotejante A desfolhar, desflorir em lágrimas O curto tempo da descoberta, O ápice do que é de gelo.

Apneia Ultravioleta

Afunda, desolado, no profundo mar De enguias. Vês cruzar a barca larga Da mais velha ceifeira que chega a remar, A um mar do olvido, que o convés alaga. Naufrágios sem testemunho ou testamento Não imploram ao mundo lágrimas ou tormentos. Aos olhos da ceifeira: tolos corvos do momento, Debicamos aos afogados o mais velho assunto. E as enguias! Com as anémonas e as medusas! Pintam o preto cenário de relâmpagos, ultraviolência — do electrónico! Artistas, arquitectas da ambiência! Pode assim o corpo comprazer-se com a queda — Que não vê, que não ouve, que não sente — Mas há sempre quem maquilhe a morte de contente.

Curiosidade Derretida

Como o caracol, o poema do mundo se vidra, Remorsos, angústias: blocos de gelo deixam de ser Como eram, ao escorrerem para a torpe e fatal hidra, A deleite no declínio passou a tortura d'água a saber.  Ainda não sorveste deste bloco, ó mortal, Que aguarda as tuas finais impressões digitais — Derrete. Separa. Das tuas lágrimas, o sal — Um sal particular: de sádium e iões, cristais. Derramou-se tudo por cima do livro fechado E em pasta de papel decaíram civilizações Deixado derreter, o poema não foi emendado: Sem demanda ou reviravolta, seca com a aurora Estátua de papel, o livro molhado do bloco derretido, O tempo contado. E mais um rascunho jogado fora.