Rei Pirata

"A história humana é um evento imperceptível, de um ponto de vista cósmico."
Naufrágio com Espectador, Hans Blumenberg

Não houve açoite divino que me tocasse o rancor
Flutuei no meu batel como bem me deu na gana
Se sofri, não foi por mérito, mas por acaso.

É que o meu barquito cortou o oceano em tantos...
Que gerou, dos cortes, novos tsunamis,
Tantos pobres iates a virar e a tombar o caviar.

Aldeias que pilhei e vilas que laminei,
Lâminas de água em pescoços só molham,
Mas quebraram-se na ânsia do impacto.

Não esperaram. Ansiaram. Guilhotinaram-se.

Vagueio por águas equilibradas,
No que sei e sinto que há,
No caminho que se abre para ser seguido.

Mas os cortes continuam a fazer caravelas tombar
E que lindas velas bordô que aquele ali tinha
E que grandes balas de canhão seguem em minha direcção.

É o medo do escuro. O medo da bandeira pirata,
Que não diz mais que separação, ruptura com o original.
Nenhum dos meus marujos é normal, é um barco/circo/freakshow.

Temam, temam, que estes não são normais e nem se querem vingar.

Pior ainda é não roubarmos para comer
Não ter violado um único corpo
Ter lutado apenas em nome da honra entre os ladrões.

Honra entre os ladrões, entre os tristes, entre ninguém.
Entre desviados, entre degenerados, entre piratas que não sabem que são.
Ou souberam em tempos mas foram tomados por fúlgidas visões.

Lindas mentiras.

Ou souberam em tempos e iludiram-se
Por uma estranha pertença sentimental a uma telenovela
Ou a um programa de rádio.

Meus principes e princesas, as ofertas que me fazem
Não me torcem nem me amolgam, estou a cagar para a vossa classe.
O ouro nos bolsos não vale duque ou carta baixa.

Era fazer-vos caminhar a prancha!

As vossas promessas de riqueza (e de finais felizes!
Que pensam ser autores!) fariam outro pirata gemer de júbilo,
Mas nenhum desses outros sou eu.

E heave-ho, hoist the colours! Fiquem com as vossas jóias "divinas",
E, yo-oh, com as vossas maneiras "refinadas", porque mais que o gin e o glamour,
Quero a minha agenda, que só a mim me pertence.

E orgulho-me de cada ferra e de cada pilhagem, de cada assalto
São conquistas que deixam qualquer um justamente espantado.
Cada aldeia saqueada é uma ilha sem rolha a decair para o olvido.

Convence-me de que a vida de pirata não é de adorar!

Heave-ho, hoist the colours! Podes implorar, pleitar e lamentar,
Mas yo-oh, são formas fúteis de perder o tempo.
Na agenda na minha mão traço mais um certo, zarpe-se a outra ilha,

Esta não tem o que eu quero. E a minha agenda é só minha!

Marujos, beba-se mais um copo! Que o futuro nunca foi tão apelativo,
E já que vou ter o que sempre me pertenceu, que yo-oh,
Não é determinação fatídica mas a prova da doçura da decadência.

Cada vez que cais sobre mim, como a guilhotina que te crês,
São todos os momentos em que te ajoelhas perante um rei.
Ouve a história daquele que tudo correu e tudo corroeu. Impetus tenebris.

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