Outra promessa numa carta

No meio da podridão, da discórdia e da espiral da demência, recebes outra carta do futuro. O horror é reparar na caligrafia não só familiar, mas tua.

"No dia da tua queima das fitas liguei para te dar os parabéns, mas não atendeste. Foi inesperado. Queria saber o que se seguia, para confirmar que não tinhas perspectivas do que ias fazer. Para ser honesto, lembro-me daquela dúvida. Era difícil sair daquela cidade e deixá-la para trás. Era um fardo a cidade ser de tal modo património que os pecados ficaram esculpidos a granito na memória, prestes a accionar sempre que recordas as paredes contra as quais beijaste. Daqui a pouco vais escrever a tua história a pegadas no mundo. Naquela altura, e acima de tudo, queria dar-te um conselho: a casa não é um sítio, mas as pessoas que lá estão. Daqui a pouco, eles vão sempre estar lá.  Hoje, fico feliz por não te ter dado esse conselho, por não ter arruinado a surpreendente ruína. Por nunca teres estado preparado e ainda assim, continuamente manipulado por ti mesmo em direcção ao sonho. Surpreendente, com uma apatia impérvia ao amor e à norma, com igualmente surpreendentes sorte e fúria de viver. De alguém que, então, acreditava em ti e continua a acreditar, continua a divertir-te, põe isso à frente de tudo. Está tudo bem. Está tudo confirmado. O destino não foi deixado à chance."

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