Oblívio: A lâmina de pétalas

Eu rebolei na lama e salvei um trono. Certamente, seria tarde demais para apresentar o que quer que fosse de remorso. E, na verdade, era um péssimo dénouement. Os que se perderam pelos corredores deste castelo não receberam o memo: encontrar é perder, perder é encontrar. Não é uma questão de transviar as direcções, não é uma questão de trânsito. Não é sequer uma questão gnóstica, nem, até, de destino. É saber caminhar: pôr um pé em frente ao outro e seguir. A direcção da sequência é sempre frente, a vida não tem outra e o Castelo Oblívio é tel qu'elle. Sublinho outra vez: caminhar é em frente, não é para cima, meu bando de zés-ninguéns... ou seu, não quero apoderar-me do que quer que seja. Como tantos nadas que cantaram em refrões e ecos o narcisismo do meu passado, que permitiram a construção deste fantástico baluarte das armaduras. As muralhas sobrepostas, brancas, escritas a grafite, inscritas a grafíti, porque o simples é fixar o passado dos outros. O simples é fazer malabarismo com uma quantidade de esferas que não sabemos se existem. Mas eu nunca me propus a grandes empresas — tentei fazer malabarismo com uma só esfera e nem foi muito difícil. Atirar; apanhar; atirar; apanhar. Os maiores perdidos neste castelo foram os palhaços que calçaram saltos altos por cima dos andarilhos em que se desequilibravam. Eu rebolei na lama — que descobri estar ao nível das alturas que atingiam com saltos e andarilhos — e guardei um trono. Não é que esta sala me diga muito, está pronta para acolher prisioneiros, pelo menos é o que depreendo da quantidade de grilhões que tecem um casulo em volta do trono. Eu vi respirar como se escarra. Eu vi cárceres de pobreza e podridão dos quais as pessoas não se podem libertar. E vi gente deliberar o masoquismo de se prender aos seus próprios corpos, de achar que a vida não tem nada para além disso, deixarem a chama apagar e a gema tornar-se carvão. Mesas, chamei-lhes de mesas, cumprem propósitos decorativos e estão de quatro para a vida; deixam acumular livros por cima de si mesmas, como se a inteligência lhes comprasse uns centímetros. E eu rebolei na lama e arranjei um trono: de que me serve um assento se não tenho ordens a conferir. Se as hordes só sabem fazer as outras pessoas sentirem-se mal, por pensarem que olham de cima para baixo. Se as lâminas das minhas guilhotinas são feitas de pétalas. E o esquecimento é apenas uma doce sonolência. A única coisa que mantenho é a chave para o sucesso. Mas há tantos finais felizes, aqui e agora, este conto é de felicidade e fortuna. A desgraça (para os outros) é quando a paz e a justiça ganham o dia — e é assim que a narrativa se desenrola. E então o jogo está viciado: os vilões não podem ganhar.

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