Bénédiction?

(Sete teses na decadência da condição humana)

Na criação recebi uma chave que chamou um raio de luz e incidiu aqui mesmo. Iluminando o que os olhos não viam e a mente não pensava, mostrou tudo o que ele mesmo percorreu, e o que mil olhos que de mil braços se estenderam viram, ficou aqui preso na liberdade que lhes dei.
- Inspiração

Libertámo-nos de um pequeno espaço quando nascemos, berrámos de medo pelo incómodo de viver. Crescemos para ver o mundo que se estendia à nossa volta fechar-se na perspectiva finita que temos: quem diria que um horizonte é tão perto? que pensar nos leva a ver o longe sem nunca o ver?
O luminoso-quente puxa-nos e o escuro-frio afasta-nos, tão primitiva ainda é a nossa acção.
- Ver é Saber

Vivemos uma claustrofobia na agorafobia: lá fora estamos presos dentro de nós, pois cada vez mais sabemos o que dantes não sabíamos. A overdose intelectual corrói o cérebro que, pobre coitado, tendo de mais já não sem em que pensar. Envenenaram-nos com o dom da escrita. Amaldiçoaram-nos com a estaticidade aprisionada em letras.
- Overdose e prisão

Os dons vieram de dedos trocados atrás das costas. Vivemos presos nesta infinita imensidão que parecemos reconhecer a cada passo: isto é aquilo e aquilo, aqueloutro. A ideia de definição continua a impregnar, a conspurcar e a conspirar a nossa derrota.
- Maldição da definição

O pouco que vivemos nesta história foi resumido no muito que parecemos ter escrito. E nesse muito afunilámos o tempo que agora é demasiado pouco para cada um de nós. Quinze minutos bastam e pensamo-nos próximos de tudo e todos, quando nada nem ninguém quer saber. Tão depressa resumimos a raça humana na palavra devir, como lentamente aguardamos o derradeiro momento que tememos desconhecer.
- Incoerências paradoxais

Discernimos numa linha interminável o tempo, e numa esfera de volume infinito o espaço: pela irreversibilidade dum e proliferação doutro em contínuos entrelaçados, fluídos a cada batida, estáticos a cada medida. Num e noutro vivemos questionados, pelo que foi, é e será.
- O Tempo e o Espaço

Na evolução estará o que nós quisermos, mas o material escasseia mais e mais. Na animalização fomos poupados e nesta aclamada "humanização" somos uma espécie egoísta que vive uma ilusão de superioridade, guerreia consigo mesma e se apelida de cívica. Somos a complexificação da simplificação e o exacto oposto: únicos no Universo e tão acompanhados pela omnipresença invisível, a necessidade de, enquanto livres, vivermos observados, sob regras, controlados.
- Superioridade Ilusiva e Religião

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