Céu da Noite

a polifonia entoava esganiçada
um coro mais que esquecido
mas de tão primordial ontologia
quanto surpreendente

tenho tido
recentemente tenho tido estes
pensamentos estranhos
recentemente
pensamentos estranhos
será
será que
alguma destas paisagens real?
alguma destas visões é real?
nada faz sentido para mim
nada disto faz sentido

será que se consegue
dar voz a uma composição tão densa
conseguirei transformar os harpejos
em sequências compreensíveis aos mortais
será que se atinge o céu da noite
por uma sequência de sons angelicais?
percorrem-se estes sete Cs como
percorri os sete mares noutra vida?
será o dó apenas um som
ou a totalidade da comiseração mortuária
acorde que transporta ao ancestral
tal tempo em que os deuses
tocavam o solo com os pés
tal o tempo em que o tempo
era um titã amaldiçoado
ainda solto do triste destino
de comer tudo o que produz
de engolir tudo o que é
e reduzir ao oblívio
as almas apaixonadas?

Cronos, esses sons de ossos roídos
da carne recém-nascida mascada
desarmonizaram o cosmos
antes do céu pertencer à noite
quando a escuridão era parte da luz
(melodiosa mitose por ocorrer)

como em cada composição
há um regresso a casa
mas neste caos não se retorna
só se semeia a revolta
por parecidas que sejam
há algo de abismal que
responde em sentidos opostos
e embala em ventos distintos
porque há-de a mitose separar
o que só a música pode reunir?

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