O roubo de Calypso

cortinas de fumo negro
do barco que acabei de derrubar
não permitem ver além do trono
a aridez de sucessivos desertos
secou o soro ocular
astrolábio e quadrante mostram que as estrelas existem
de que valem quando o coração as não sente
antes salta as batidas
e o ritmo fica estranho
a respiração carrega a preocupação
às costas como uma pesada âncora a puxar
o sufoco engasga e não desaparece
rezo a Calypso
que me devolva o oceano aos olhos
esse amor abandonado e abandonante
que nos mares que me levou
navega triunfante
e as velas não sentem o vento
param
mas as paisagens passam e os continentes também
e o barco parado no mar despejado
os marinheiros ao convés desatinados
ofegantes
vislumbrados pela morte no fundo
onde os mortos já não mentem
içam bandeiras de socorro
que ardem junto com as outras
tomam a tonalidade negra quando sobem mastro
esvaem-se em fumos
nem se sabe que dantes havia mar aqui
ela lá vai
ao longe flutua
ergue-se para ser vista
sem nos ver
e com a miragem a melodia
e com a melodia vai o sorriso
de não ter lágrimas que meçam
a dor dos outros ou a minha
é o que mais invejo
sem desejar
de que vale um barco sem navegar
de que vale a bússola para o sucesso
e saber já o fim da maldição
do sítio horrível onde se cumprem todos os meus sonhos
mas a hipótese do final feliz está vedada
por não saber chorar


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