Insónia ardente em Burnt Norton

O céu envergonha-se quando olha para baixo e se detém com um incêndio a percorrer a recortada paisagem mental. Amplifica-se o baixo emocional, repete-se outra reza de ódio e, quando olhas em volta, o paraíso já não está em lado nenhum, o teu deus não está aqui. Como é que se estancam as constantes intrusões da realidade na minha música? Desde quando irrompem, entrópicas, as impressões imprecisas, sem ouvir nem ver, para interromper o fluído curso? E então apagam-se as velas simbólicas e já nada irradia luz para lado nenhum. É fácil acreditar no tarot quando temos por fundamento uma ligação básica, anterior, ancestral, entre todas as coisas que coexistem. Essa ligação já não existe. 

Com deus morto, a luz apagada e os olhos abertos em busca de um qualquer recorte na negra margem desta realidade, não consegui ver nada. Pensei que no dia seguinte o sol ia brilhar, que não tinha outra alternativa. E esperei por mais de vinte e quatro horas e outros seis meses, poderia simplesmente estar num polo, que o dia sucedesse à noite muito mais tarde. E, no fundo, nem tinha provas de que isso acontecesse; assim me contaram, tal como nunca vi uma aurora. Mas na mente a aurora tinha, com certeza, um som aprazível para o despertar.

A porta fechada (o tempo presente, o tempo passado, a sua presença no tempo futuro, contido no tempo passado): sempre a porta fechada, a que nunca quisémos abrir, para o jardim das rosas. Nem as lágrimas que secam largam sal, nem o ardor da sede na garganta intensifica. A reminiscência era o vago signo que, distante, me recoleccionou os remorsos na forma de mógano. Esta porta sou eu diante de mim. Dei um passo em frente, girei a maçaneta e as luzes reacenderam-se de uma vez. A luz—como a sorte, dor narcisista—torce-nos, de tão verde e imprevista, que o deslumbramento me endoideceu a vista, verde, verde, esvaemento a perder de vista. Verde, tudo verde, verde a perder de vista.

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