Gravidade e Elegância // Weil

(Tradução de "Gravity and Grace" de Simone Weil)


Todos os movimentos naturais da alma são controlados por leis semelhantes à da gravidade. A Elegância é a única excepção.

Estamos sempre à espera que as coisas aconteçam em conformidade com as leis da gravidade, excepto quando existe intervenção sobrenatural.

Há duas forças que governam o universo: a luz e a gravidade.

Gravidade. O que costumamos esperar dos outros depende do efeito da gravidade sobre nós mesmos, o que deles recebemos depende do efeito que a gravidade exerce sobre eles. Por vezes (por sorte) estas expectativas coincidem com os resultados. Muitas vezes não.

O que é que leva a que, quando um humano mostra precisar de outro (não importa a leveza ou a grandeza desta necessidade), este acabe por se evadir? Gravidade.

O Rei Lear é uma tragédia de gravidade. Tudo aquilo a que chamamos vil é um fenómeno da gravidade. Para além disso, a palavra vileza é indicativa deste facto.

O objecto de uma acção e a quantidade de energia que exige são distintos. Uma determinada coisa deve ser feita. Mas de onde é que se puxa a energia para o seu cumprimento? Uma acção virtuosa pode rebaixar um homem se não existir energia disponível ao mesmo nível.

O que é vil e o que é superficial estão ao mesmo nível. Uma frase possível é: "o seu amor é violento, mas vil". Uma frase impossível: "O seu amor é profundo mas vil."

Se for verdade que o mesmo sofrimento é mais difícil para quem tem altos motivos do que para quem tem intenções vis (a diferença entre as pessoas que esperam da uma da manhã às oito por um ovo, considerariam a mesma duração insuportável para se salvar uma vida humana), uma forma vil de virtude estará talvez mais apta a aguentar o teste das dificuldades, das tentações e dos azares do que uma forma nobre. É por isso que se recorria à crueldade por forma a suster ou levantar a moral dos soldados de Napoleão. Algo que não se deve esquecer no que toca à fraqueza moral.
Este é um exemplo da lei que costuma dar força ao lado da vileza. A gravidade é, como tal, um símbolo disso.

Uma fila para o almoço. A mesma acção é mais fácil se o motivo for vil e não nobre. Os motivos vis têm em si mais energia do que os nobres. Problema: como é que se pode transferir a energia movida por motivos vis para motivos nobres?

Não me posso esquecer que, por vezes, quando as minhas dores de cabeça eram muito intensas, eu tinha vontade de fazer outro ser humano sofrer, batendo-lhe na precisa mesma parte da sua testa.
Desejos análogos são muito frequentes nos seres humanos.
Quando estou neste estado, muitas vezes tive de sucumbir à tentação de dizer palavras que causem dor. A obediência à força da gravidade é o maior pecado. Por isso corrompemos a função da linguagem, que é de expressar a relação entre coisas.

Atitude de súplica: devo apoiar-me em algo que não sou eu, uma vez que é uma questão de ser que deriva do si.
Qualquer tentativa de alcançar esta libertação por meios da minha própria energia seria como os esforços de uma vaca que se força a coxear e que cai de joelhos.
Ao fazê-lo, libertamos uma quantidade de energia que guardamos, por meio de uma violência que serve para degradar mais energia. Compensação, como na termodinâmica; um ciclo vicioso do qual nos podemos livrar do alto.
A fonte da energia moral de uma pessoa está fora dela, como assim acontece com a sua energia física (comida, ar, etc.). Geralmente encontra-a e é por isso que vive na ilusão — como no plano físico — de que o seu ser carrega o princípio da sua preservação em si. A necessidade sente-se na privação. E, no caso da privação, não podemos virarmo-nos para o que quer que seja comestível.
Existe apenas um remédio para isso: uma clorofila que confere a faculdade de nos alimentarmos de luz.
Não é para julgar. Todos os defeitos são o mesmo. Só existe um defeito: a incapacidade de nos alimentarmos de luz, pois onde a capacidade de o fazer se perde, todos os defeitos são possíveis.
"A minha carne deve fazer a vontade de Quem me enviou."
Não há nenhum bem para além desta capacidade.

Descer por um movimento no qual a gravidade não toma parte... A gravidade faz as coisas descer, as asas fazem-nas subir: que asas são estas que se erguem à segunda potência para fazer as coisas descer sem peso?

A criação é composta do movimento descendente da gravidade, o movimento ascendente da elegância e o movimento descendente do segundo grau da elegância.

A elegância é a lei do movimento descendente.

Rebaixarmo-nos é subir ao domínio da força moral.
A gravidade moral faz-nos cair em direcção às alturas.

Demasiada aflição coloca um ser humano abaixo da possibilidade de dar pena: gera nojo, horror e escárnio.
A pena vai até um certo nível da vileza, mas não abaixo disso. O que faz a caridade para descer mais baixo?

Será que os que caíram tão baixo têm pena de si mesmos?

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