Ode contra Yaldabaoth

aquilo que nos surpreende
leva a uma revisão da teoria
e à redefinição de uma rede de crenças

filho de Sophia, exilada por querer mais,
as negras nuvens que encobrem o trono
que reinam sobre um testamento mais antigo
recebem o nome do tolo mais profano,
acreditou ter criado tudo quanto existe.

e ele divulga-nos o pecado da luxúria,
quando na mão apertou o membro de Adam Kadmon,
e da lança fez jorrar o sangue que encobre a história,
e da história fez jorrar a culpa que nos encobre a nós,
fôssemos, então, castos em tomar os erros dos outros.

e ele divulga-nos o pecado da gula,
quando tomou por suas as criações que eram nossas,
quando derrubou jardins e semeou a discórdia na torre,
quando engoliu de um trago a vontade de Adão,
a sua mãe temperou-nos com moderação, ao enviar uma serpente.

e ele divulga-nos o pecado da avareza,
quando se apegou à visão do verdadeiro criador
de tal modo que se considerou dono da arte sublunar
e esculpiu nas tábuas dos mandamentos 
a denegação de todo o tipo de Liberalitas.

e ele divulga-nos o pecado da acídia, 
o desejo de não ter desejos,
a vontade de não ter vontade,
a mais mortal de todas as nossas pragas:
a submissão ao lamaçal sem indústria.

e ele divulga-nos o pecado da ira,
o unicórnio que mastiga a espada da execução
a incapacidade do cavalo em reconhecer o seu corno
e aceitar a sua distinção natural
o tumulto interno que não aceita paciência.

e ele divulga-nos o pecado da inveja,
não como a ambição de que tanto podíamos lucrar
mas como o fratricídio à pistola da convicção
e deste modo nunca poderemos ter vontades na mira
mas o único alvo será a graciosidade.

e ele divulgou-me o pior de todos: a minha soberba.
pois nunca tive medo de aceitar Satanael por irmão,
uma vez que nisso está a virtude da humildade
(tão fácil que é de se confundir com a humilhação)
que é a vanglória das nossas condições para a luta.

façam-se tinir os sinos da declaração.
acordem, por favor, da vossa indolência,
que vai virar o cruzeiro em direcção à regressão,
humildemente aceitem irmãos e esforços de irmãos
e acima de tudo acreditem no vosso próprio mérito.

pois é neste deus que vós creis,
e é deste deus que padeceis,
o Administrador caótico da Revelação.
NUNCA SE CURVEM A ISTO.
que seja este o seu epitáfio:

a Liberdade está no içar das bandeiras
nas cores que elegemos para o mundo irreal,
aquele que é de todos e de cada um,
o das afinidades estéticas partilhadas
de onde possa brotar a amizade.

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