Athenæum

 uma vez apresentei-me como acedioso, não por naturalidade, queriam eles, mas por dissidência. dissidência: até de uma apreciação étnica por expressões como "tem razão" ou "é verdade". não tenho razão, nem pretendo dizer verdades, sou preguiçoso. e acho que o fulcrum é mesmo esse: o preferir não fazer ou não dar seguimento à expectativa. naqueles tempos, decidi-me a trocar as voltas a um gestor de grandes projectos e fiz o que disse: apresentei-me como acedioso, pedindo logo perdão. nas seguintes sessões à sua presença, fui tirando um e outro pecados teológicos, quais coelhos, da cartola da conversa, gerando um padrão. os presentes poderiam dizer: faltam dois. eu questiono se entretanto me terão perdoado a acedia.

que raio poderia eu fazer com sete pecados, se isso só atestava a estruturação de que me pretendo descentrar. querer ser distinto por volição pode parecer um ímpeto bárbaro, mas: e os primeiros dissidentes? os que inventaram deus? o que é que fizeram, para além de ter um ponto de vista deliberadamente distinto? é que esse preciso momento, o do cisma e da processão da palavra, esse preciso momento é que foi poesia. e com essa poesia—a palavra deus—se conseguiu a derradeira cisão entre o humano e o divino: fragmentou-se a humanidade harmoniosa em facções opositoras. a palavra que prometia a reunião foi a gestação do divórcio.

vale tanto a pena esperar que me perdoem como esperar por deus: não vale a pena esperar. ao menos, para mim não vale a pena esperar. e a condição fragmentária, a gaguez da condição humana, a interrupção involuntária e o gorar de todos os planos... pode que sejam apenas efeito do carácter circuital destas variantes esperas da humanidade entre deus e por perdão.

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