Estalactite

Serpenteia nas estalactites da cúpula da caverna um dragão longo: ao som ecoado dos articulados harpejos dedilhados pelas suas garras numa harpa escarlate, ao clangor tonitruante das suas escamas esmeralda. Canta da morte, do súbito, do sublime, da glória e da difamação, encerradas na bolha de sabão que é este tecto. Submerge para cuspir sementes, embarcações, quiçá entoar um nada harmónico, dedicado aos intervalos das coisas. Dos topázios que tem por olhos fulgem raios que derretem em lágrimas o que ninguém dava por emoções. Também tu, querido leitor, serás raptado e envolvido pelo dragão: de cadência, às constelações de safiras, subterrâneas e virtuais.

Fez tronar hediondas tumbas, para abrir o chão tumultuoso e das raízes negras destes caracteres fazer brotar estátuas de gelo — de que ainda reluzem faíscas turquesa. Inspira e empina o nariz, adianta-se desprovido das estalactites que, ao acordar, limpou dos olhos — lacrimosas estóicas. Para trás deixou as estalagmites de que fazia javelinas, formadas pelos mesmos requiems evanescentes, que fulgem: do som ao chão, do ar ao gelo, de mãos ao ar. Querido leitor, podes servir-te deste manjar servido numa pauta, lamber cada clave do orvalho e desfrutar da flora que te pode crescer no cérebro. 

Do tétrico ao mítico!

Entediado, brada o dragão: "se eu fosse ler a poesia que tenho por ideal, parecer-me-ia atrozmente banal!" A fumegar em absoluto-zero, enquanto toca os sete ofícios, para que outros os descongelem com o olhar. Os oitos, os oitentas e os oitocentos e oitentas e oitos do gongo da crítica aos blocos de gelo — palavras que passam aqui congeladas. Aqui só se move o que empurramos e — imagina, querido leitor — podes ignorar o que prevês por feio.

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