Atmosfera

Raias de gelo. Livro de horas, flor do mal, bloco de gelo e, no esvanecer da rima, o degelo. Despejadas as lágrimas, ansiosamente vertidas — reluzem sobre a cara e revelam a crise do verso, mas não a dos heróis, dos vilões ou dos pobres de espírito. Deixa-me dissolver só e sem rima. É por isso que me faço degelo: geada, dissoluto, lágrima no oceano, pedra na margem, zero absoluto.

Derreter. Desfazer. Desvanecer. Derramar: derramar porque tem de se derramar, inundar e levar tudo e todos com a armadilha de uma parede marítima. E deixa-me ser o que tu não queres. O nada feito tsunami. A inundação esmagadora, que sufoca e consome, subtrai em pedradas e ossadas as mãos dos aplausos silenciados das estátuas — desse lado do livro.

Cristalizar. Concretizar. Congelar. Na liberdade do verbo e do anverso, na vertigem de cada gotícula a correr a aresta do bloco. O poder potencial de poder e de deixar poder, sem temer perder os lugares que se desfazem. Este não é um jogo de cadeiras: é o jogo de saber jogar aos jogos. Livro de plágio, angústia, alteridade, histeria, a meio caminho para a chegada ao fim dos versos. E é isto: é poder isto.

Vigília de gelo. Livro de horas, flor do mal, bloco de gelo e as geadas de um pesadelo. Reflexos perplexos, degelo e, mais — de gelo. Em poses barrocas: congelo. E sai, sai, sai. Tudo de dentro para fora, tudo de mãos ao ar: a lamber os prantos alheios, a beber lágrimas do poema a descongelar. A cada olhar, a cada rimar, a cada findar. Doze raios de gelo.

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