Vaidade

Acto I – Cidade


O cenário é composto por edifícios altos cobertos pelo céu escuro e enublado da noite sobrevoado por helicópteros e aviões de luzinhas vermelhas e azuis. Há imensos paineis de néon que dizem “Olha bem para o que fizeste!”, “Whisky”, “Drogas ao fundo da rua”, “Morte para a esquerda”, “Mortes, acidentes de carros, chicotadas, crianças magoadas”, “Comida boa” e “Obrigadinho”. Um dos edifícios representados é a entrada para o Metro e por cima diz “METRO”, também em néon.


Cena 1 – Judy, figurantes



Judy (percorre o cenário, olhando para as pessoas que por ela passam)

Eu no início só tinha relações às escuras... era tudo um mundo novo para mim, mas a única solução para os problemas económicos que me apareciam. Lembro-me de umas quantas vezes em que eles me pediam “vá lá, não podemos fazê-lo aqui?”, claro que isso me baixou o prestígio e tinha de lhes pedir menos dinheiro que eles já davam... quase de graça, devo dizer. Mas lá ia lucrando bastante no mundo do negócio do sexo... mas este negócio traz bastantes implicâncias na minha vida, de dia eu digo às minhas amigas que sou doméstica, trabalho em casa e me arranjo com o dinheiro que os meus pais me mandam... a verdade é que já nem vejo esses desde o Natal... só os vejo uma vez por ano... e mesmo assim mandam-me dinheiro... são tão queridos. E de noite custa-me tanto explicar porque não posso sair com elas... e tenho um medo que me pelo que elas descubram um dia o que realmente sou... esta... rameira vendida de rua.

A verdade é que recentemente o negócio tem vindo a lucrar... já arranjei dinheiro suficiente para fazer uma plástica e fizeram-me uma injecção de silicone... o que me levou a ter mais segurança com o meu corpo, hoje já faço os servicinhos todos que me pedirem, onde quiserem, como quiserem... claro que tenho algum nível, há certas nojeiras que não passam disso e nunca as faria... uma vez pediram-me para defecar para um copo e dividí-lo com o meu cliente... não o fiz... é que não o faria mesmo, de maneira nenhuma.

Engraçada a cidade hoje... está cá tanta gente... é Domingo, o que é de mais estranhar... toda a gente em bares, toda a gente a ver montras... e nem são férias, nem amanhã é feríado e tenho a certeza que amanhã às nove toda a gente está a trabalhar... mas pronto, cá eu me passeio, dirigida ao metro onde tenho três clientes à espera numa noite de Domingo, onde supostamente só nós é que por aqui andamos... com o nós refiro-me às prostitutas... e não a esta gente que já devia estar deitadinha e no segundo ou terceiro sono...

Só agora é que reparo nestes painéis de néon destes becos... nunca pensei que estes negócios ilícitos passassem a ter tanto prestígio por aqui... “Drogas ao fundo da rua”?... não me falem em drogas, hoje um deles é traficante, ele costuma pagar em géneros... e eu preciso tanto de dinheiro... perdas de tempo... nem acredito que me vou meter nisto outra vez.

E se me perguntassem se eu não preferia uma vida descansada com um trabalho mais... honrável? Claro que preferia, mas já lhe tomei o gosto... já tenho prestígio e aposto ganhar mais aqui... excepto com o traficante... do que muita gente por esse país... quer dizer... depende da queca... dão-se umas péssimas e eles dão-me basicamente a carteira... e por vezes dão-se as melhores e eles pagam em géneros... odeio (dirige-se ao edifício do metro e desce as escadas).

Vaidade Tiago | Filipe

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