Alegria e Miséria (no Hospital).

O corpo é um hospital de jogos neuróticos entre o conformismo e a inutilidade. Dentes de leão plantados em camas, como que imigrantes ilegais expostos uns aos outros, propicia ao contágio e ao nojo. Vísceras animalescas, uma ideia de pânico brinca com a inospitalidade deste local.

Cada batina neste armário é um pálido reflexo da minha cara envelhecida e cada saco de oxigénio causa-me um vício por realizar, olá, olá, lembras-te de mim, estávamos no mesmo quarto há uma semana e agora és um saco vazio. Eu sou uma doença, vivo para me propagar e fazer sentir mal.

E vejo lábios rugosos, cheios de feridas e prestes a morrerem sós e secos - dá-me mais pena ver a horribilidade física desta senhora padecer que ver meio mundo manter-se na alegria e ignorância. Isto é miséria, só eu sei o que é cheirar cinzas em busca de um último traço de nicotina.

Os gritos de dor da ala do fundo nunca são ouvidos, mas há sempre pombas acordadas em sobressalto com berros da madrugada. E as gargalhadas não são alegres, são cavernosas. De tantos bifes, tanta fome - pode haver arte mas nunca impressão. Tenho gritado o vazio destes pulmões. Tudo o que ouve ignora.

A mudança não chega, o som registador já não é solução para o hospital - aqui estamos para sobreviver, paridos já a guinchar. Ninguém aguenta até ao fim do tempo preso por detrás destas cortinas à espera de corda e agulha para colar ventrículos a aurículas.

Aquela senhora está de saída por ter aberto os olhos... precisa de ir para as urgências e a sua cama desliza como uma prancha num desporto radical. Eu, de sangue nas mãos e lágrimas soltas, forço gritos ao silêncio. Quero descobrir o outro lado, quero estar sóbrio do outro lado...

Não há nada para fazer aqui, só queixar e lamuriar... nas camas de um hospital. Entram e saem, enquanto dormem e mesmo acordados... nas camas de um hospital. Eu tenho um amigo na cama ao lado, eu não o escolhi, ele não me escolheu. Não há recuperação. Alegria no hospital. Alegria e miséria.



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