Recriação.

O tempo asfixiou-me numa ampulheta prateada. Em direcção a um oásis, perdi-me nos círculos e inconstâncias da memória - não sei se o que faço é por necessidade ou engano; não sei se já vivi ou se sonhei que vivi; mas sei que a partir daqui nada pode melhorar. É mais uma pedra no bolso e menos uma pirâmide no Egipto. Quando achei a água afoguei-me, o onde eu queria estar, não existe.

Os vícios construíram os meus jardins suspensos: sobre fumo e absinto. Os medos tornaram feios os falsos deuses que me vi a combater com espadas de madeira, neblinas a que apontava jactos de água. Se aqui cuspo toda a minha metáfora, colo-a com cuspo e purpurina - aqui os filmes parecem mais bonitos ainda que mais sádicos. A beleza é uma mentira, tudo é feio até que se entranha.

Caminho junto a um precipício que dá para o mar. Sempre com um pé atrás, com medo de me pontapear na cara e cair no suicídio involuntário. Caísse eu para um mar sem margens e viveria a felicidade líquida - mais marés para um coração de escamas serão novas bolhas para sonhar. Cada memória é menos tempo e mais lágrimas. A inconsciência... e a sua inocência... eu penso que não existo.

São Jorge e David foram sempre os heróis que pesaram na cruz, juntaram-se para me fazer reler tatuagens em sangue que me causaram... mas nas suas vinganças há alguma promiscuidade, há sempre um desejo podre em ver submissões... É sensual vermos o que queremos. Estou sempre a arrastar esta bola de ferro, esses amores cristalizaram-se em lutos enfurecidos, mas hoje esmago-lhes as cabeças com o peso... Há sempre silêncio antes de uma catástrofe.

Fugi de mim recreando-me naquilo que me revia: duas metades de consciência e inconsciência mutantes: o caos, parte e todo; problema e solução. O caos é a ordem. Eu sou o Caos - para ter quem culpar pelo que faço e para me repreender por viver. É uma assombração e um milagre da religiosidade do ego. Vivo de possessões e exorcismos. Há quem morra pela liberdade, eu vivo para ma tirar.

Quero que se abata sobre mim, o último segundo dos mares separados para a promessa. Esta devoção não é fanática mas eu vivo de obsessões. Ouvi que nunca iria valer a pena. Estes lençóis líquidos nunca me vão rejeitar, marés de água benta e salgada que nunca vão purificar o que quer que seja. Mas eu já não quero ser aceite.

i. Só quero que a besta salve o que me resta de humano.
ii. Estou aqui para berrar, já fui parido a chorar.
iii. Eu sou sempre quem não sou.
iv. Saber corrói.
v. Tudo o que sobrou ficou por se consumir.
vi. Essas pessoas são mentiras.
vii. A minha religião sou eu.
viii. Medo da morte.
ix. Eles são Salvação.
x. Não existe perfeição.
xi. Estou de cabeça mergulhada na água.
xii. Não quero viver de medo e nojo.
xiii. O meu coração é meu.




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