III. A Biblioteca de Babel

Da janela, o crepúsculo. Do espelho, a reduplicação da biblioteca. Já o encontraram? Eu ajudei-o, ele disse-me que o final tinha sido reescrito. Que para o evitar eu tinha de o ajudar. Mas era tudo mentira. Despertou a escuridão e agora o meu sangue é a ameaça das histórias.

Entra o rapaz com quem pintaram. Era o alfarrabista. Não sei como vim aqui parar. A realidade anterior assusta-me. Não te preocupes, ele ainda não tem a tinta. Pessoal... enquanto vosso amigo, eu peço-vos... dêem-me um fim.

O alfarrabista muda de tom. Estas estantes guardam cada uma realidades cristalinas intermináveis. Que escuridão. Queixam-se os outros. É finalmente claro que não nos dividimos entre vida e morte, mas existência e ausência. Vocês adormeceram em busca de uma história sem a terminar. Cada livro é uma tentativa. E agora vamos reescrevê-los como devem ser. Apontou para o outro: Tinta.

Um livro que pode transcrever eventos que ainda não aconteceram. Um livro que pode conjurar mundos novos. O cenário estilhaça. Sobra o alfarrabista e o rapaz. A luz abre-se como uma cortina. O dedo em riste transforma-se numa espada suspensa sobre o peito. Não! A espada cai, e do corpo branco escorre sangue negro.

Tu és a fonte? Foi quando nos separámos. A tua negatividade encrustrou-se no meu coração e a minha na tua alma. Não. Eu vou viver a minha vida. Pode ser que o faças noutra dimensão. Nesta não. Não podes escapar. Tu sabes. Últimas palavras? Porquê?

A tinta escorre do cenário. Reconstitui-se a biblioteca. Há um corpo no chão. A dimensão estilhaça-se.

"A música, os estados de felicidade, a mitologia, as faces trabalhadas pelo tempo querem dizer-nos alguma coisa, ou alguma coisa disseram que nós não deveríamos perder, ou estão para dizer alguma coisa; esta iminência de uma revelação, que não se produz, talvez seja o facto estético."
- Jorge Luís Borges

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Estalactite

Antígona de Gelo

Furacão de Esmeraldas