-2. Simpatia pelo Diabo

Era uma vez... dizer era uma vez é tendencioso, quando não falamos de princípios nem de unidade. Eu não o faria, a minha tinta não come aquários nem dragões, apenas os injecta nessa cabecinha. A não ser que eu mande.

É caso de apresentações: nenhum assassino é inato como eu. Tenho tanta sede de cravar mãos em peitos e esmagar, tanta fome de veneno nos outros. O meu esgar é dourado como o vácuo do precioso [Apolo é pura aparência]. Eu nunca gritei pela honestidade, mas sondei a alma [Dionísio é maldade]. Os anti-depressivos só empurram o óbvio e mantêm o coração enjaulado no trauma. A única coisa que me sacia hoje é a tinta. Negra, parasitária do tom do meu cabelo que esbranquiça lentamente.

Tenho prazer em ter perfídia no nome e deixar o puzzle em aberto. Aterrorizar com palavras, prometer mortes aos planos menos patriotas. Nunca me faltou riqueza nem beleza, mas ó... porque é que subestimam sempre uma pessoa que se decora a diamantes e peles? As lágrimas caem tão depressa que nenhuma chegou a sublimar. Esquecem-se sempre das outras formas de esfolar um autor. Fazer um tapete.

A quem viva nestas condições, há uma proximidade única do estado primordial. No canto dos nossos olhos segue uma réstia reminiscente da escuridão da gestação. Uma eterna luz que suga luz, que não apaga nem colecciona. Como disse antes, eu nunca tive medo de chapinhar na tinta negra. Desde que não tenha de voltar para onde comecei. Não há maior escuridão que a da pena a escorrer tinta. Uma pena misericordiosa para com as almas perdidas do livre jogo do virtual.

Disseram-me que pus alguém a chorar e sorri. Disseram-me que falei sem pensar e fugi. Se menti? Talvez o tenha feito... quando olho para fora da janela não existe paz mental... quando encosto a cabeça à almofada os pecados dissolvem-se numa mancha informe. Mas há uma explicação para tudo isto, claro: eu sou uma pessoa horrível e deixei as cascas das almas ao esquecimento.

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