XII. Desfile da Morte

Clareira à noite. Há um trapézio de circo montado no centro e sobre ele dança um corpo em equilíbrio precário. No chão, um outro corpo prepara uma espécie de ritualística. Esfrega um rosário na tatuagem de um crucifixo. Dos olhos escorre sangue.

Nunca pensei ver tantas cordas quebrar. A dança torna-se lenta e preocupante. É um sacrifício ritmado pela batida do coração. No chão, a prece torna-se conturbada, o corpo estremece descontrolado, alucinado. Ouvem-se os sinos da aldeia... doze, treze. Entra uma silhueta encapuçada com um pendente em forma de X. Achavam mesmo que iam evitar que eu viesse meter o bedelho?

Ao ouvir a voz, o corpo desequilibra-se no trapézio, consegue agarrar-se à corda por segundos. Mas assim que vê quem fala, larga-se, cai e morre. Enquanto caminha em direcção ao cadáver, a outra silhueta vai batendo nas árvores. Já reparaste como tudo aqui é vazio e chato? Como ecoa?

Repara, nós já nos apercebemos que o livro é um erro. O outro arrasta-se pelo chão para alcançar o sangue do irmão e manchar a tatuagem. E que não é nada disto que nenhum de nós quer!

Não me interessa! Para frustrar a tua vingança, tenho de protagonizar um dos teus finais felizes e fazer a minha realidade. Algures por cima do arco-íris. E já deixaste escapar um. Já sabemos, e sabemos como o evitar.
"Somos fragmentos de um Deus, que no princípio dos tempos se destruiu, ávido de não ser."
- Philipp Batz
Os mundos foram-se construindo sem o autor se dar conta. Do anel esmeralda sai uma lâmina que ergue sobre o corpo sujo de sangue no chão. Assim que o faz, cai um relâmpago sobre o corpo e a dimensão estilhaça-se.

Já não tens muitas opções. Se já venci a morte, consigo vencer sempre. E quando eu tiver o que quero, tu nunca vais ter existido sequer, quanto mais escrito um livro. Presta atenção, mano: é assim que se rouba um final feliz.

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