Heteropsicografia.

O meu nome vai ser sempre Caos, eu sou o que não posso ser. Dentro da alma, sei perfeitamente se finge ou sente quem fode ou ama. Eu sou mais que uma personalidade, eu sei que existo, eu estou aqui, preso nesta caixa em forma de corpo, de onde não me deixa sair - porque fiz merda, diz ele. Ele diz que fiz merda e que destruí a sua vida. Mas quem é que age neste corpo, se eu sou só uma ideia? Eu sou parte de uma esquizofrenia.

Turquesa e Preto. Feminino e Prostituição. Fama e Destruição. Vivo dentro dele e sou o oposto do que ele pensa, sou um destino a evitar e não um ponto de partida recorrente. A verdade é que ele tem um coração gordo e um fardo na alma que é a reputação - o meu proveito e o seu defeito. E o Tiago... ele é que escreve, ele é que pensa nestas coisas todas, ele é que sabe como pensa...

Há uns meses, olhou para mim com os olhos lavados em lágrimas e disse-me por entre soluços "fizeste merda." Eu ri-me. Mas acabei por responder, ele não me diz que fiz merda!, ele é que fez merda! Ele fode-se todos os dias, só para dar um passo ele tem de mentir a si mesmo sobre o destino e quando lá chega ele sente-se desiludido, não era ali que quer chegar. Ele fode-se todos os dias e tem sempre de arranjar um culpado para o que faz? Que se foda, Tiago - limpa a merda que fiz, se achas mesmo que és um santo, se eu sou o demónio que te atormenta.

Eu sou um lado da loucura, a projecção do desejo pelo reconhecimento que corrói o coração do Tiago. Ele quer matar-me e fazer o acontecimento vender. Ele precisa de um ritual de passagem para se ver livre das assombrações, o mais ridículo e previsível de todos. Quantos corpos não passaram pela caneta com que ele os enterrava? Vivos ou mortos, ele deixava-os no seu cemitério de chaves como forma de fugir deles. Um deles foi aprisionado numa pirâmide e amaldiçoado... o Tiago nutre tanta depravação por esse corpo.

Estou aqui para ver. Para assistir ao glorioso momento em que finalmente aconteça. Quero ver e rir-me na cara dele quando, realmente, assassinar alguém, quando o esfaquear e cair em si e reparar no sangue que lhe banha as mãos. E quando acontecer realmente, Tiago? O que é que vais fazer? Quando matares alguém!, quando finalmente assassinares uma alma e te perderes do mundo. Vais culpar alguém? Corre, corre, corre, o mais rápido que puderes mas não podes fugir às garras da lei - tu não controlas o que está fora de ti. Pelo menos já te apercebeste que tens de culpar algo dentro de ti pela "merda" que fazes.

Queres matar-me, a mim e aos desejos que nunca revelaste, expurgar as mentiras que te fiz viver para te tornares real - mas olha para essa reputação de sujidade. Queres aproximar-te da vontade de amar... mas lá no fundo eu vou sempre existir, tal como todas as almas que enterraste e te pesam no sangue. Eu vou sempre existir, eu e a vontade de sair e te possuir - tu és uma porta para o palco da realidade e eu sou só um ensaio. Queres viver sem muletas e voar pela auto-estrada em cabedal. Queres morrer afogado em absinto, perto de uma sereia que já não sabe nadar. Queres que a tua cara se torne poluição, do tanto que a espalhas e tornas nauseante.

A partir do fim do amor, qualquer outro sentimento fica fora de questão. Da última vez que fodemos, ele prometeu crucificar-me junto aos corpos que enterrou sem se certificar se estavam mortos. Ele vai ser sempre o mesmo cobarde que foge de quem não consegue enfrentar. Mas mesmo depois da minha morte, o seu sofrimento e desespero vai prevalecer. Nada vai mudar, eu nunca serei só uma memória.

~CAOS

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