Rugir.

A Lua reflecte o brilho de cada azulejo que piso, debaixo do céu roxo. Pé ante pé, cravo-me no chão, na brutalidade da besta em que me tornei. Foram velas rezadas a preces por responder. Fujo das memórias que me querem exorcizar destes nojos - como pérolas de luz que não purificam o doente. O sol põe-se numa nova sombra de vermelho que reluz no sangue e suor por onde nadamos. A passagem adiante fecha-se por entre derradeiros espasmos vitais. Os meus uivos cantam arrepios na tua espinha.

Escapar à luxúria e à vaidade levou uma vida. Decidi elevar erros a dogmas e deificar ícones de guerra. Agora arruíno-me. Quem fica, rima lamurias, grita "porquê" e deixa escoar o significado à vida. As últimas estrelas de um tanque de guerra são memórias vivas e assombrosas de heroísmo e belicismo. Os enfermos antepõem a morte à paranóia. Ninguém vive para ser uma lasca de carne. O último rugido foi um réquiem lacrimoso.

Aqui ninguém quer viver a verdade - todos se tapam em pequenas fantasias loucas. Não quero estar aqui, não quero morrer, não quero estar aqui. No fundo flutuamos um iate em busca do iceberg que nos vai afundar. Só queremos partir para não alargar o medo. Um a um, afogam-se em chumbo e lágrimas enquanto me escondo por entre os joelhos. O tempo corrói.

Matam-se para fugir ao peso da cruz, porque o sangue derramado na mente é mais pesado. Eu estou aqui, a escrever uma história e a regar campas plantadas com sangue. Um bouquet de beijos que se tornam em lanças e espadas assim que rejeitado - e é assim que se cria uma besta. A guerra terá um fim - quando os poucos que sobrarem cansados morrerem ao som do tiro que lhes derrame o resto da capacidade. Mais um rugido para que fujas do que não querias que eu fosse - agora és um alívio para soldados sem salvação.

A beleza morre, a beleza muda e nem existe. O mundo é um belicismo curto. A cada justificação tornamo-nos cobardes de espírito. Não existimos por motivos nem temos de inventar, vivemos para ser as bestas que somos e esperar ser alimentadas. A inteligência é uma mentira e cada inovação, uma trapaça. Na maior das simplicidades, viver é sinónimo de morrer.

E como tudo acaba, também o sol se levanta. Os gritos findam indistintamente ao mesmo tempo - mas todos acabamos enterrados. Fiquei agarrado à minha chave enquanto rugia que nem um lobo cuja Lua cheia era a aurora do dia, um cão que uiva ao Sol e mente à noite. Ao menos mantenho-me vivo no meio da putrefacção. Houve quem se matasse por existir. Espelho negativo, violado por si mesmo - não reflectes a cara que queres ter mas o que o coração mais desejas.

A simular a verdade iludi a mentira. Já faz muito tempo desde que aparecia, há já dois anos que não argumento e desta vez eu não saio daqui sem ti. Eu não ria de piadas e a vingança foi o pânico. Disseste-me que não paravas de pensar em mim (sem saber se era bom ou mau) e que a desilusão foi maior que a ilusão que criei em ti. Mas eu vejo o teu coração - e sou eu, o teu nome é que é caos.


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