Cerimoniais.

Eu sonhei com a morte, acordei com o calor das lágrimas. Sou um lobo em busca de sangue, mordo corações para manter as dentadas e cuspo-os por não gostar. Sinto-me a merda de um monstro, quero desprover-me de sentimentos e arranhar tudo o que tenho à volta. Se ao menos pudesses ver a besta que fizeste de mim...

Morri numa fortaleza de gelo. O meu corpo nu rebolava e queimava-se no chão enquanto a mão sangrenta me apontava. O trono de diamantes não se mexeu enquanto o sangue das paredes descongelou e o oceano vermelho me engoliu. A luz fracturava-se mas o brilho da coroa mantinha-se imortal.

Acordei amarrado a uma parede roxa trabalhada a ouro. E as vozes de compaixão chicoteavam-me e chacoteavam. Quando me soltaram o desejo era roer cada milímetro dos seus corpos - por outro lado, dei cambalhotas e cantei-lhes serenatas glorificantes. É esta minha natureza de me menosprezar quando já me sinto um tapete.

Colecciono contrições e nunca rezo para que me exorcizem os demónios e os espectros, o meu corpo está infectado e não há máscara que evite a contaminação pela toxina. Sou uma doença corpórea, nem a água benta me salva e o rosário está ao meu pescoço.

O tempo não me levou, não se flutua no incógnito. Não durmo. Não respiro. Não sangro. Não sinto. Vagueio pelos corredores em busca de almas vivas, mas tudo cede ao álcool e ao fumo... alguns ao sono. Não há escapatória deste inferno, eu amo mas odeio amar e vice-versa. Só quero adormecer, mas não posso.

És a bala no meu coração, és o espaço na minha cama, o fantasma que me dá a mão, a falta de quem me ama. Nada se recupera nem que as palavras ditas sejam as que queres ouvir e não as que sinto. Não há reino, nem oceano que ofereçam para acalmar a tempestade de um coração enfurecido.

E átomo a átomo nunca vou poder reconstruir as memórias que esqueci. E neutrão a neutrão apagam-se os meus cerimoniais - estranheza e encantamentos. Nunca tive sonho tão doce.


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