Desordem.

Eu vi-te na lama quando todos me prendiam... e tentavas mexer-te mas a lama sugava-te e nunca voltaste a ver luz. Lá no fundo era vergonhoso, ver que eras importante, pensar que valia a pena estender-te a mão e puxar-te de volta a mim - saber que ainda, ainda, ainda te tinha em tanta consideração. E o sentimento não passa, as mãos não abrem e não quero largar o teu pulso enquanto me rasgas os braços para que te largue.

É como se me afogasse e ninguém me ouvisse - mas eu vivo esse desejo. Os braços do oceano são o meu fascínio por quem perdi e nunca cheguei a recuperar. Como se a água expurgasse e me transportasse para um sítio onde ainda teríamos as mãos dadas enquanto nos beijávamos à chuva. Deixar esta vida a que apelido de maldição - viver como vivo: ser sem nunca poder, tocar sem nunca sentir - e passar a ver-me como os outros vêm, um sortudo que é facilmente privado daquilo que o coração quer, viver uma bênção.

Todo este dinheiro, o valor dos diamantes a que chamo paz, amor, solidão e felicidade - não podem trazer de volta um único segundo que tenha passado, atordoado pela tua cara, vibrante ao teu toque. Mas o valor da tua gema é um paradoxo, por muita obsessão que nutra, não consigo valorizar-te depois de recusares toda a minha ajuda. Mas és a única pérola da coroa que ainda me pode comprar.

Por vezes penso que noutra dimensão seria diferente. Que lá, teria dentro de mim cada cicatriz gravada como uma feliz reminiscência, simples lascas de algodão doce. Que lá, o pior que me teria acontecido fosse engasgar-me a soprar bolhas de sabão... E que lá, nunca tinhas saído da toalha ao meu lado na praia - que lá, essa promessa tinha sido cumprida.

Deste canto no meu quarto, olhavas para mim. Os meus olhos e o verde traiçoeiro fixavam-se nos teus, moviam-se para onde quer que fosses, vivia uma demência descontrolada por essa alma. Era daqui que partias em minha direcção para abandonar o mundo durante horas e vivermos a nossa feliz existência. Eu acho que vivo para cair na tua gravidade. Sempre te esforçaste para me dizer o quando te importava - sem nunca te dar a mesma importância. Sempre foste a sereia a quem nunca quis dar ouvidos.

A tua privação foram anos às minhas costas, como chicotadas de uma tempestade de areia numa ampulheta. Eu gritava para que ninguém me calasse com um beijo. E foi aí que te encontrei a violares-te a ti mesmo, dia após dia, quando ninguém mais viu. Fui eu que te quis ajudar quando todos me proibiram. Hoje puno-me com a tua ausência. Sempre te deixei cometer os piores erros. Por minha culpa.

Não vou desistir do desespero. Ainda há um eu. Ainda existes. Há uma razão para as guitarras eléctricas voltarem a tocar. Já passou demasiado tempo desde que te amaldiçoei numa pirâmide e está na hora de viver contigo a minha maldição - ou por ti, como o tenho feito desde sempre. Perdoa qualquer loucura, perdoa a incapacidade de te amar. Dispara ossos aos sinos e castiga-me com o teu cruel romance.
~CAOS


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