Espelho Partido.

Aqui têm a fase da aceitação: a realidade é um nojo.

Quando olho à minha volta, não é que queira meter um pouco de mim em tudo o que vejo - é só que a realidade parece-me tão mais interessante vista pelo caleidoscópio do cérebro. E chego a ter medo da forma como vejo o mundo... por vezes é tão reluzente e outras vezes é tão sombria... não é que seja um gaiato parvo que ainda vive no seu mundo de faz de conta, é só que esse mundo de faz de conta é bem mais interessante que as coisas sérias. Eu gosto de me rir, nem que seja de mim, nem que seja do que penso... nem que passe por louco, eu gosto de rir.

E por vezes penso em quando tinha uns doze anos... lembro-me de estar sozinho na sala a falar para mim mesmo sobre coisas de que me não orgulhava. Nunca quis evidenciar as minhas paixonetas primárias e enquanto falava para mim, o pensamento absorveu-me de tal modo que quando abri os olhos a minha mãe estava a gozar com o que tinha acabado de dizer. Não foi a única vez em que não sabia se estava a falar ou a pensar. No Verão passado, passei um dia fechado no quarto com febre e, quando no fim do dia a febre passou, dei por mim a falar com os meus amigos; estávamos a falar sobre Paredes de Coura e a fazer planeamentos de última hora... quando a minha avó bateu à porta para me trazer um chá, eles não estavam lá e ela perguntou-me se estava ao telemóvel. Eu disse que estava a ver televisão. A televisão não estava no quarto.

Não sei se deva ficar assustado. Foi o medo que me levou a imaginar os detalhes e as pessoas. Foi o medo que me levou a confundir o mundo com a fantasia, o medo de perder alguém ou de acontecer alguma coisa inesperada. E é esse mesmo medo que me faz recriar outros medos - a fantasia tem o seu lado negro. Os anjos podem ter cabeças infinitas como a Hydra ou pior, os corpos podem não morrer quando matamos as cabeças... Foi o que eu aprendi com a bebida e os estupefacientes: se as alucinações não acabam, mata a cabeça e o corpo morre - e assim desapareceram muitos mosquitos. E assim o chão se manteve limpo, nem um único insecto no chão.

Porque a cada timbre vocal de quem quer que fala comigo, parece que oiço um xilofone, um harmonioso toque semelhante a canções de embalar. Tudo me transporta para esse regresso à simplicidade da infância - quando sempre me consegui abstrair do que gritavam ou não gostava. Eu adoro videojogos por isso... a vida real não me permite congelar os monstros, mas lá eu posso fazer-lhes o que quiser - lá eu controlo matéria negra! Se não é o paradigma da felicidade para alguém evasivo à razão, não sei o que será.

E todas as manhãs me dão sono, e cada diálogo entristece-me e entedia-me. Não me sinto fascinado por nada porque tudo corre - mas a velocidade do tempo não é novidade para ninguém. Na verdade, não me resta dizer nada, não tenho mais nada a acrescentar a este relato de minorias.

O meu problema é ter conhecido a fraqueza e não me ter tornado forte; ter sido tolo e não me ter tornado sensato; ter conhecido a tristeza e ter sempre fingido os sorrisos. Eu sei que sou o pior e é por isso que finjo que sou o melhor. Não o parti mas estou a meio caminho para o outro lado do espelho.


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