o medo de existir.

"let's go, let's go masquerading"

refugio-me constantemente na filosofia para perceber melhor as coisas que ninguém percebe se não quem se dedica a elas e encontro redundâncias quotidianas nas quais ninguém repara.

estou a ler Portugal, Hoje - O Medo de Existir de José Gil, um filósofo que era professor na Universidade de Lisboa (penso eu) até muito recentemente, quando deu a sua última aula e me suscitou a ler um dos seus trabalhos, daí ter procurado ler sobre ele.

Como convém televiver
suponho que muita gente veja telejornais, pois bem, é importantíssimo informarmo-nos do que se passa no mundo... mas não nos estamos a informar... não. formamos imagens horrendas de guerra, morte e doenças para depois nos mostrarem o mais fofinho golfinho do zoomarine ou o último panda lindo que entrou para a colecção do jardim zoológico, o que nos fornece outras imagens que dissipam as imagens anteriores de horror e perdição para um mundo de borbuletas e arco-iris e colocam-nos a uma maior distância do que realmente se passa no mundo. e no fim, pelo menos o da RTP remata com a linda frase "É a vida" que deu que falar para pelo menos 3 páginas do livro. é a vida, é a vida mas não é a nossa, é uma vida distante que é cada vez mais distanciada pelos loucos que trabalham nas notícias e colocam outras que dissipam as primeiras e nos distanciam. isto resume-se no seguinte: "
Se a percepção dos Chineses não fosse enevoada e longínqua, mas próxima, ao ponto de mexer com a minha vida, então esta deixaria de ser, também, para mim, estática e um pouco ausente como ela é."
simplesmente nós não ligamos ao que acontece e é mau porque depois nos dão um sabor diferente do mundo que é melhor, cobrem a amargura do que existe com a doçura de uma deliciosa sobremesa e aniquilam a ideia de que o mundo não está bem.

O país da não-inscrição
depois, José Gil introduz o seu segundo ensaio com um graffiti que viu que dizia "não há drama, tudo é intriga e trama" e é verdade... não só a nível do país que as notícias não são o que se discute na assembleia mas os insultos que José Sócrates faz. vivemos num país em que não interessa se a média de matemática de uma turma foi 6, interessa sim que a não sei quantas encornou o não sei quem com o não sei que mais e continuam a namorar e todos sabem isso excepto o outro. faz algum sentido as notícias não serem o horrível global mas o horrível particular? no caso dos alemães, tomado por José Gil: depois da 2ª Guerra Mundial e do Nazismo, os alemães afastaram-se de tudo e quiseram apagar tudo o que fizeram reduzindo tudo a nada... por outro lado, nós, portugueses tivémos o 25 de Abril que acabou com meio século de ditadura e o que é que fazemos? festejamo-lo. o que para nós interessa é festejar uma história e dizer o que tinha acontecido, o quão horrível se vivia no tempo de Salazar... para eles, o que interessa é esquecer o quão horrível se vivia no tempo de Hittler... não sei quem tem razão nem quem não tem, a minha religião são as memórias e penso muito sobre elas... mas o que é certo é que ambos países viveram muito mal durante muito tempo e um festejou e o outro dissipou... é mais ou menos o seguinte:
"Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo, o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso"
o que realmente se quer transmitir com este texto é que, em Portugal, o sofrimento não importa, importa sim esquecê-lo e por isso enterramos os mortos e, logo que enterrados esquecemo-nos deles, e por isso festejamos meio século de sofrimento, e por isso nos preocupamos em fazer as pessoas esquecer as mágoas colocando-lhes fortes imagens doces à frente... e é por isso que vestir preto implica fazer parte de uma ceita satânica em Portugal, porque não se veste preto por luto, vestem-se cores vivas a dizer que esquecemos os nossos antepassados.

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