disturbia.

"am I haunting you tonight?"




“Porque é que me sinto assim?” davam por si a meio das tardes, sempre por volta das mesmas horas a questionar-se com o mesmo. Ele deitado na cama a meio do quarto e ela, por outro lado, rodando de uma forma lenta e fóbica na cadeira. O quarto sim, envelhecia todas as tardes, teias de aranha penduradas, pó acumulado, pó no ar.

“É como se a sombra fosse luz” disse ele, esquecendo-se de já se ter esquecido o que era a luz. Ela continuava a rodopiar na cadeira, não o ignorou mas respondeu-lhe de outra loucura:

“Consegues pendurar-te de cabeça para baixo apoiando-te no chão?”

E permaneceram os dois calados olhando para o infinito à sua frente, nenhum olhava o outro e nenhum dizia nada por momentos quase semi-eternos.

Ela levantou-se, aproximou-se do piano velho que tinha pertencido aos seus avós e passou a mão pelas teclas criando um som que piorou o ambiente negro do quarto.

Havia dias em que ele prendia as próprias mãos com uma corda que estava no chão do quarto, outros ela sentava-se em cima da cama e as suas costas moviam-se de cima para baixo, quase se partiam e faziam barulhos horríveis, como se estalassem e se partissem a cada movimento. Por vezes ele aproximava-se de um dos três cantos do quarto triangular e rodava uma roda dentada que lá havia, sem objectivo mas dava-lhe para isso.

As paredes, feitas de espelhos, não duraram três dias, à medida que a insânia crescia, mais sombras pareciam ver, mais espelhos partiram... os estilhaços estavam agora espalhados pelo chão e as paredes eram agora de um horrível cimento que magoava ao toque.

E houve um dia em que os estilhaços formaram espelhos de mão, mas ela pensou que eram pratos e partiu-os todos pois a fome já não fazia parte das suas reminiscências.

Não havia nada a pensar ou fazer naquele quarto, eles estavam lá presos, faz quase três séculos, não era castigo nem dádiva divina, eles trancavam-se dentro da própria insânia, só não morreram antes porque a loucura não lho permitiu.

"Insanity is relative, it depends on who locked who in what box." Ray Bradbury - The Meadow

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Estalactite

Antígona de Gelo

Furacão de Esmeraldas