memórias de um suicídio.

eu não quero a tua pena, eu escrevo com a minha dor.

Mors certa, Vita incerta.
as minhas memórias de um suicídio,
os tiros que apontei à morte que falhei.
cada meia-noite ficou meia lágrima por chorar.
fico imortalizado de medo e sorte.

um tiro no escuro. um desejo impuro.
o meu querer do fim do mundo,
tua presença no último segundo inseguro,
assim me tiro deste coração imundo.

perdi a guerra para a luta interior.
o fim, a derrota do meu ser
a morte do holograma do meu espírito,
o início do fim do meu viver.

um tiro no escuro, um pensamento em ti,
um tiro na barreira que te separa de mim.
morte ao desperdoar, um tiro por não amar,
morte à clemência, fugir à vida, impotência.

escuridão alumiada de amor, ódio e dor,
um baile de máscaras, espelhos e pavor.
vejo a cabecilha do pecado, o diabo perdoado,
mato-o pela salvação, mato pela minha redenção.

respiro antes do mergulho profundo,
mantenho o coração de quem mo esfaqueou.
primo o gatilho, e bebo o último trago de vinho.
um momento em que viver é um erro a cometer.

uma história interminável de mentiras e culpas,
o nosso brinquedo foi o destino.
gelam-me as veias pelos defuntos.
o Rei do nevoeiro continua desaparecido.

vivo na dependência da existência,
um desejo ardente pelo irresistível,
um sonho vivido pela tua resistência,
pressiono a explicação do inadmissível.

estou às portas da glória a um passo da morte:
semelhança das diferenças: amor e ódio, engenho e sorte.
uma visão é uma miragem, cada pessoa é uma mentira,
a crença no visível é incerta como a um cego.

e vejo os mortos dançar o meu finar.
dançam pelos erros que a vida me fez.
a morte é um livro que só escreve quem o lê.
fujo do erro, de quem me viu, de quem me vê.

corro para o escuro iluminado pelos fantasmas saudosos,
fujo dos meus erros, de quem me viu, de quem me vê.
rezo à religião dos espelhos que não se partiram,
por um diamante em bruto, pela calamidade do meu ser.

o verter das lágrimas de Werther,
o comer dos sentimentos pelo medo,
a santidade da profana impotência:
as razões para me matar tão cedo.

mas desisti de chorar, de ver e sofrer.
desisti de tudo e todos,
pensei num mundo como uma prisão
e a esperança via-a na chave da morte.

nihil Verum nisil Mors.
o suicídio por ser mais forte o interior,
da vida um final, da morte um ponto.
assim me quedo, assim me fico,
perco o meu corpo, sou um sem abrigo.

o amor é a busca de um anjo que não conhecemos,
de alguém que nos tire do inferno que é viver,
de alguém que nos limpe as infinitas lágrimas da vida.
impossível. invencível. imprescindível.

é a criação da defesa dos que mais amamos,
uma necessidade biológica em vez da perfeição,
não é o paraíso na terra, nem a fuga à realidade,
não é mais que um firme escudo por entre abraços.

a felicidade era minha e minha não a fiz
a tristeza possui-me e queima as veias
livrar-me das correntes que me chicoteiam
quero conferir-vos o que tanto anseiam

vejo os sentimentos e são claros cristais,
são fraquezas, medos e religiões a mais.
assaltei uma igreja, parti todos os vitrais,
a Santa Puta me perdoe, a dor que me magoe.

cada um é senhor de si mesmo
mas ninguém doma a própria vida
vivemos à beira do penhasco do pecado
ninguém deve definir quando é a ida

um conto sem final, uma vida por acabar,
a caneta que já não escreve, um amor a finar.
"eu amo a vida, eu amo a arte e amo amar",
e tudo que se tornou pó e deixou de voar.

o vácuo da alma, o vazio do coração,
uma carta para quem se importa,
"são rosas, senhor, são rosas, Isabel"
cada uma esmorece e queda morta.

cicatrizes do amor, nostalgias do desespero
que vivi às mãos de quem me esfaqueou o coração.
desejo o fim das memórias do meu maior pecado,
parte-se o espelho, treze prometidas vezes.

quero o fim. tenho sede da morte,
quero que me vejam cair,
quero sentir o corpo esvair,
ver-me uma única vez forte.

um raio de esperança por entre as grades da prisão,
vivo preso no meu corpo sem ter o que mais quero!
amar não é comigo, por morrer desespero.
um raio de esperança que me diz para renascer.

não me matei, nem tão a perto cheguei,
sepultei-me com as raízes do engano,
mas vivo com esta alma que anulei
e assim duelo as sombras de quem amo.

por nunca poder, por nunca ser forte,
o apressar da vida, o contestar da sorte.
pagar por mim, pagar com um corte
quero matar a vida, quero viver a morte.

pelo amor que nunca senti, por uma cruz nunca morri.

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