Licantropia.

Por agora, a imagem são apenas letras brancas num fundo preto.

A Canção do Lobo. 
Anunciam-se, longínquos, os uivos - incertos como a realidade o é. Mas são lobos, lobos que cantam à Lua cheia, noites e noites a fio, até a perderem. Quando o pôr-do-sol assombra a mente, os lobos perseguem-nos e nós não corremos mais depressa. Criaturas fantasmas da noite, perseguem-nos e ao diabo - o medo consome-nos pelo suor. A escuridão é um útero para os solitários e a luz da lua um farol para os esfomeados. Eles vão engolir o nosso orgulho e devorar a pouca vergonha. Vão encontrar-nos porque nos encontram sempre.

Bater do Sangue. / Para O Farol.  
No meto, o sangue é bombeado, o sangue corre e o suor escapa. Quando nos aventuramos e perdemos a sombra - é sinal que já não estamos na luz. Contudo aqui estamos, perdidos e excitados com o medo e a certeza do fim que nos entregam um prazer orgásmico. São masturbações mentais. Sabemos que vamos acabar aqui e assim, tão depressa como nos vamos consumir um ao outro. As sombras mais escuras alimentam-se do terror e deixam sobrar esta excitação inexplicável. O sangue escorre negro pelas nossas depravações, mistura-se com suor, fluídos e medo. Mas escapámos até à praia enquanto segurávamos o desejo assustador. Nas dunas, dois cigarros e o sexo, no ar, o frio, a maresia e o horror. Eles continuavam atrás de nós. Eles sabem sempre onde estamos. A única fuga é sempre fechar os olhos.

A Canção dos Pombos. / Não Digas Que Não.
Tenho olhado para o telemóvel com desdém e ódio. Tenho visto retratos de nostalgias sem necessidade. Não, eu simplesmente não te consigo esquecer; não, nunca desde que nos conhecemos; fui feito para ti, uma moda que nunca passou no meu coração. As pessoas são como raios ultra-violeta, protejo os olhos para não ver a merda do mundo - e o meu coração-caleidoscópio ainda transparece muito mal. Quando não há comida tu és apenas uma memória a que não posso recorrer. Para quem seguia apenas o coração, o círculo desenhou-se no mapa sozinho. Na escuridão o caleidoscópio ganhou pelos e cornos, o amor desapareceu para viver a adrenalina do impulso - o desejo de falhar mais que acertar. Ninguém diz que não ao coração.

O Apanhador de Crianças. 
Os fantasmas da nostalgia já não me perseguem, no fundo, sou eu que assombro o passado. Recordo-me da vez em que fui raptado e preso a uma cama e o desespero me dizia "foge, foge, foge tão depressa quanto puderes mas não podes fugir do papão que aí vem." Mas quem eu amava dizia-me "não existo para vítimas, não quero viver por quem se martiriza mais do que vive," e bateu com a porta. Vivo com um torniquete preparado ao pulso.

Demolição. / Londres. / Paris. 
Desde esse mesmo dia em que te conheci, as cidades começaram a decair. A escuridão dos becos era da mesma cor que o resto, os contrastes deixam de se discernir no preto. Alguns fogos emanam luz mas estes são frios, da guerra. Desde que te conheço que o meu quarto sangra por ti - o meu imaginário ganhou um novo tom de vermelho, vertido pelas flores de papel, chovido pelas nuvens de algodão, flutuante nos rios de chocolate. Cá em casa, o meu santuário é demolido. Sol escuro em ruas mais escuras - violentas perdas do coração. Vou esperar em Londres e em Paris, nos telhados das casas e ao gelo da Torre Eiffel, eu não vou morrer só. Qualquer luz parece gozar com a minha comiseração.

Peter Pan. [/ Raoul Duke.]
Era uma vez um rapaz que não queria crescer. Era uma vez um rapaz que consumiu demasiada droga e bebeu demasiado absinto. Na verdade ele imaginava-se a si mesmo - numa espécie de auto-sexualidade, bastava imaginar-se em cenários ridículos ou impossíveis para se satisfazer - para nunca crescer, enchendo-se de shots "pela dor e pelo sofrimento." Só quando aceitei a infância eterna, a minha sombra desapareceu. Só quando bebi mais que o corpo, a luz se demoliu.

Licantropia. / Um Rapaz Como Eu.
Eu era jovem até os rumores aparecerem. Eu era um rumor até a existência ser questionada. Eu nasci meio-rapaz, meio-lobo e fui criado em Roma, fundador de uma raça. Na solidão da minha ignorância, tornei-me no meu próprio salvador, marquei o meu território e ergui um palácio, um reino de diamantes, uma nova ligação. Eu quero acabar com a morte e quero totalizá-la. Quero sentir o sangue de todos os humanos passar-me pela língua. No fim, eu sou só um rapaz como eu mesmo - tão morto quanto imortal, um sonho mais que real, sou um lutador que procura ambição, fiquei perdido na guerra e ganhei-a sozinho. Eu só quero voar por cima de mim mesmo.

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