Coração de Vidro.


Lágrimas de olhos sem coração.
Quem te viu e como te vês?
Razão, impulso,
amor, medo,
devaneio, obsessão...
vão três passos do inferno ao céu.
Redemoinhos de água num olhar natural,
antigos e perfurantes olhos castanhos
pela pureza da humanidade.
O imaginário apoderou-se do físico,
a veracidade da anatomia mudou,
a fantasia apoderou-se da mente
paranóia e cegueira.
Os olhos perdem a cor para o imaterial
agora sou uma nuvem, projecção de pavor e sorte
mas o teu olhar é fumo.

Intrépido pirata zarolho,
vagueia em busca de um olho.
Treze mares, tatuagens de um vício,
"O X marca a sereia que me roubou a visão"
Tapas um vazio com uma pala e do outro olho és cego.
Mães de filhos esquecidos nestes mares
(tentáculos, algas e ondas)
rezam para que não voltes a ver a ruína do mundo,
rezam pela ignorância da cegueira,
para que a tua inocência se mantenha.
Mas será a mente o perfeito santuário da sanidade?
Será um cego pirata feliz?

Coração de vidro - és um aquário,
maior tesouro.
Guardas dentro de ti almas arrebatadas,
nadam em jogos de cores por observar.
Decadente pirata
(comida de tubarões, mãos em vulcões, olho de sereia)
o corpo decai por ti,
zarolho valdevino.
Mas o aquário mantém-te por afogar,
"até ao dia em que deixar de respirar"
como dizia o meu avô.

Invalidador da morte,
perseguidor da mesma,
traidor marinho.
És um ladrão de caixas em forma de coração,
mantens só a riqueza dos outros,
a que nunca vais poder usar.
Justifica-me a dor de viver,
se tens tudo sem poder alcançar?
Canibal de almas,
filosofa comigo a teoria do vive e deixa morrer.

Regresso à profundeza,
derramemos o aquário,
vamos amar borboletas
e soprar os seus ventos.
Sentir a chuva por entre as ondas,
voltemos ao mar e recuperemos a visão.
Foi a cegueira que te roubou a humanidade.
Vais poder voltar a chorar,
apesar de não ser meu desejo,
quero libertar-te do nojo de roubar almas.
Reza o perdão da mãe Natureza,
foi a única que traíste.

Sentido o calor da aceitação,
rato do mar domou a besta interior,
esvaziou o aquário,
deixou os recém-nascidos peixes-alma nadar.
Estava na hora de encontrar quem lhe tinha passado a perna.
Nadou treze vezes em cada mar,
procurou por cada canto e recanto de coral,
debaixo das estrelas marinhas,
na camuflagem das alforrecas,
até encontrar a sereia da insanidade.
O fatalismo da sensualidade
não chocou o cego pirata
e a sereia sentiu-se inútil.

Devolvendo-lhe a visão,
a sereia e o pirata aceitaram-se
como destruidores mútuos.
Por pouco tempo deram sentido à vida um do outro,
a ela cabia o tesouro que a ele lhe pertencia,
ele descobriu a existência quando soube que lhe faltava.
Deram as mãos,
caminharam a solidão um do outro.

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