Fantasia, uma Realidade.

De grandes passados místicos e religiosos, nasci para ser moldado com base numa realidade altamente influenciada por uma fantasia. Cresci aos olhos de uma cruz que colocavam às minhas costas cada vez que dizia uma palavra que não devia, que não comia os vegetais ou não dormia a tempo certo - era castigado por fazer o que queria, como sempre somos. Aprendi e apreendi milagres e erros desse mesmo fanatismo pelo fantástico e digamos que me apaixonei pela Fantasia, por mundos de quimeras e sonhos-bolhas de sabão, por torres de Marfim e diamantes encravados nas paredes do meu quarto, os meus campos de flores de papel e nuvens de algodão doce. Digamos que passei a viver a realidade do castigo como se a vivesse teatralmente.

Aos poucos elaborei o meu protótipo bíblico, a religiosidade baseada nos elementos repetitivos e humanos da minha vida, uma espécie de livro de regras, um livro mental, interiorizado e altamente influenciado pelos momentos de libertinagem intelectual, aquelas ficções da minha vida em que eu caminhava porque na minha mente eu escrevia que caminhava; eu beijava porque escrevia ter beijado; eu amava por estar escrito. Eu não estava inspirado por outra alma nenhuma, eu não tinha medo de existir sem fios a puxarem a marioneta do meu corpo - eu tenho esta mania da grandiosidade que me torna deus em tudo o que faço ou mexo.

Viver é um livro escrito a cada átomo movido, a meu ver, tenho isso como grande defeito que me transpõe do local da perfeição - o que eu vivo não é uma odisseia, não é uma jornada, é a simplicidade e a monotonia que só a mim me interessam (suponho que assim seja com toda a gente). Dos vícios e das pequenas obsessões da minha vida criei metáforas que aqui escrevi - quando beijei Judas fumei um cigarro, quando matei o meu alter-ego, Caos, venci a obsessão que o mantinha vivo mas mantive a sua alma dentro da minha. A minha obrigação é desprover-me de clichés e criar arte inovadora através dos acontecimentos da minha vida - é a isso que me proponho como simples existente num mundo de artistas superiores.

Propus-me a destruir o ódio até criar uma nova lei da minha religião - que toda a vida merece perdão e libertação. Assim deixei outro cliché de lutar pela existência e singularidade dos outros - só nós podemos lutar pelas nossas vidas, só a nós nos vão apontar um revolver e dispará-lo quando nos quiserem matar - devemos ser egoístas por um momento e altruístas em todos os outros. Manter os nossos sonhos vivos é manter a nossa identidade, a nossa projecção à sociedade, se morrer, eu não vou realizar os meus desejos. Viver é meio passo dado para a realização da nossa fantasia.

Mãe, eu posso já ter feito tudo o que aqui descrevo sem sair do meu quarto. Quando falo de LSDs tomei-os em Las Vegas, quando pratiquei necrofilia foi na nossa mesma cidade, naquela casinha sem portas nem janelas que desde criança observo - o problema é que o devaneio em mim supera a sobriedade e eu tenho esta irreversível e repetitiva atitude de realizar a mentira por escrevê-la. Procuro respirar para manter a Fantasia um sonho acordado.

Tenho o direito a utilizar ideias prolíferas e dissonantes de forma a criar um labirinto onírico, tenho o direito a mentir a mim mesmo sobre a minha localização para me sentir num campo de flores de cristal, rios de sangue vermelho e cristalino, céus verdes - eu faço o que quero com a capacidade inerente à humanidade de enlouquecer na sobriedade. Eu sou S. Jorge ou David, derroto os meus dragões e Golias, apedrejo olhos aos demónios do medo de me perder na loucura em que vivo mais que respiro.

Sinto que não é o exterior que tem de ser alterado como que por magia e extravagância, o ser humano nunca vai poder abandonar aquilo a que está ligado por sangue e ADN para se tornar outra coisa - é, porém, o interior que deve ser constantemente regulado para nos tornarmos melhores exteriormente através de acções. Vivo através de algo activo em mim que me invoca das profundezas e horrores da realidade para um poço sem fundo de liberdade e crápula imaginária - tão real quanto existo. A Fantasia tem um papel em mim muito superior que agir.

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